sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Hospital de BH indenizará técnica de enfermagem vítima de importunação sexual no trabalho


 A juíza Érica Aparecida Pires Bessa, titular da 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, condenou um hospital a pagar indenização por danos morais de R$ 10 mil a uma técnica de enfermagem que sofreu importunação sexual no trabalho. Ficou provado que a empregada foi vítima de comportamento abusivo por parte do cuidador particular de um paciente, que exibiu seus órgãos genitais à profissional. A técnica de enfermagem relatou o ocorrido à supervisora, que, no entanto, orientou-a a não tomar providências para "não envolver a imagem do hospital". Somente depois da insistência da empregada, o segurança do hospital chamou a polícia e o caso foi levado à autoridade policial, onde foi registrado o boletim de ocorrência, e, em seguida, o cuidador confessou a prática do ato.

Na sentença, a magistrada destacou a omissão do hospital em oferecer suporte adequado à vítima e a tentativa dele de minimizar o ocorrido. Além disso, a instituição, localizada na capital mineira, não disponibilizou um representante para acompanhar a reclamante à delegacia de polícia, deixando-a desamparada em um momento crítico. A negligência do réu, que não possuía protocolos claros para lidar com denúncias de assédio ou violência sexual no ambiente de trabalho, foi decisiva para sua responsabilização em reparar os danos morais sofridos pela empregada.

Entenda o caso

Em depoimento, a técnica de enfermagem relatou que, ao entrar no quarto do paciente, foi surpreendida pelo cuidador que o acompanhava, que lhe exibiu os órgãos genitais. Ao informar o fato à supervisora, foi instruída a "não fazer nada, para não prejudicar a imagem do hospital" e foi avisada de que o cuidador tinha “fama de tarado”. Mais tarde, ao retornar ao quarto, encontrou o cuidador sob um cobertor, fazendo gestos indicativos de masturbação. Assustada, procurou a supervisora, que, finalmente, chamou o segurança, que acionou a polícia.

Após a chegada da polícia, o cuidador foi conduzido à delegacia, onde confessou os atos. Outros relatos de profissionais sobre comportamentos semelhantes do cuidador emergiram no hospital, mas a supervisão, inicialmente, sugeriu resolver a situação de maneira interna. Após o término do turno de trabalho, a técnica de enfermagem foi até a delegacia prestar depoimento, sem que nenhum representante do empregador a acompanhasse. A trabalhadora afirmou que começou a se sentir insegura no local de trabalho e iniciou tratamento psicológico.

O depoimento da única testemunha, um empregado do hospital, confirmou o relato da trabalhadora, indicando que, ao longo daquele dia, várias profissionais relataram episódios semelhantes de importunação sexual envolvendo o mesmo cuidador, evidenciando que o problema era de conhecimento prévio da supervisão. Porém, nenhuma medida havia sido tomada.

Quadro de enfermagem majoritariamente feminino X Crime de importunação sexual

Conforme constou da sentença, o ato praticado pelo cuidador que acompanha o paciente pode ser tipificado como importunação sexual, caracterizada como a prática, contra alguém e sem sua anuência, de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de terceiros (artigo 215-A do Código Penal). “Quando praticada no ambiente de trabalho, é ainda mais danosa, por envolver a subordinação inerente ao contrato de trabalho”, destacou a juíza.

Pelas provas produzidas, a magistrada não teve dúvida de que o hospital, na qualidade de empregador, foi omisso ao não conceder o suporte necessário à técnica de enfermagem, bem como por não promover treinamento ou protocolos adequados para o enfrentamento de situações semelhantes. A julgadora enfatizou que o hospital, sabendo que o quadro de profissionais de enfermagem é majoritariamente feminino (84,6%, segundo pesquisa do Conselho Federal de Enfermagem, em junho/2024), deveria possuir procedimentos específicos para prevenir e lidar com casos de violência e assédio a essas empregadas, especialmente envolvendo a liberdade sexual.

Importância de medidas contra assédio sexual e violência no trabalho

A decisão também ressaltou a importância de medidas preventivas para proteger os direitos de personalidade das trabalhadoras e citou a recente Lei nº 14.457, de setembro de 2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, exigindo dos empregadores a implementação de ações contra o assédio sexual e a violência no trabalho, de forma a favorecer a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho. Entre essas medidas, os incisos II e IV do artigo 23 determinam a fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias e realização de ações de capacitação, orientação e sensibilização dos empregados de todos os níveis hierárquicos sobre temas relacionados à violência, assédio, igualdade e diversidade.

Negligência do hospital  

Segundo a magistrada, o hospital não apenas falhou em proteger a dignidade da trabalhadora, como também foi negligente em oferecer o apoio necessário após o ocorrido, o que gerou danos morais a ela. Conforme pontuado, a técnica de enfermagem foi exposta a situação humilhante e constrangedora no exercício das suas funções, atraindo a responsabilidade do empregador, mesmo que o ato tenha sido praticado por terceiro e não por preposto do hospital.

“A primeira atitude da supervisão do hospital de tentar convencer a reclamante a não alardear a questão e não chamar a polícia (que somente foi acionada pela guarda do hospital posteriormente), caracteriza completo despreparo do empregador para conduzir a situação, além de omissão em conferir o máximo de apoio à reclamante. Segundo relato da obreira, o hospital sequer enviou um representante para acompanhá-la na delegacia”, frisou a juíza.

Conforme pontuado na sentença, ficou demonstrada a importunação sexual sofrida pela reclamante, principalmente pelo fato de ser mulher, bem como a ineficiência do empregador em manter um ambiente de trabalho seguro e adequado, além da ineficácia em conceder à vítima do ato de importunação todo apoio e estrutura necessários para que pudesse fazer valer seus direitos junto às autoridades competentes e se sentir segura no ambiente de trabalho. “A situação vivenciada pela obreira enseja o direito ao recebimento de indenização em razão da violação sofrida aos direitos da personalidade”, concluiu a juíza sentenciante.

A decisão de condenar o hospital ao pagamento da indenização de R$ 10 mil busca compensar a vítima e tem caráter pedagógico, visando estimular a empresa a estabelecer medidas que garantam a segurança e o respeito às trabalhadoras.

O cenário de violência contra as mulheres

Ao fundamentar a decisão, a magistrada destacou que, no Brasil, diariamente, são relatados inúmeros casos de violência sexual e psicológica contra a mulher, sejam submetidas a alguma forma de exploração sexual, assédio, estupro ou de intimidação psicológica, havendo, ainda, altas taxas de feminicídio.

“Historicamente, as relações sociais de gênero são marcadas pelo predomínio masculino, sendo necessária a desconstrução da opressão e subjugação natural sofrida pelas mulheres ao longo dos séculos, decorrente do machismo, sexismo, tratamento diferenciado e outras práticas preconceituosas. E, no ambiente laborativo, em face da assimetria de poder inerente à própria relação de trabalho, a desigualdade de gênero encontra campo fértil para aflorar e repercutir”, ressaltou a julgadora.

De acordo com a juíza, o Poder Judiciário não pode compactuar com a omissão do hospital em oferecer o suporte necessário e eficiente à autora, principalmente porque, como relatado pela empregada e confirmado pela testemunha, fato semelhante já havia ocorrido com outras técnicas de enfermagem, sendo de conhecimento da supervisão do hospital, que permaneceu inerte.

“A conduta praticada pelo acompanhante do paciente, nos termos evidenciados, não deve ser considerada sem importância, como foi tratada pela supervisão do hospital, mormente por representar, em muitos casos, a porta de acesso para violações mais graves e violentas ao direito à intimidade da mulher”, destacou a magistrada. “Nesse particular, competia à reclamada comprovar, não só a concessão de suporte e apoio necessários à reclamante, como também a adoção de medidas preventivas e protocolo de atuação para condução de casos de violência contra a mulher em todas as suas formas”, enfatizou a julgadora.

Neutralização das desigualdades e discriminações

De acordo com a juíza, a análise do caso implica neutralizar as desigualdades e discriminações para concretizar a igualdade. Ela pontuou que o Brasil, como signatário do plano de ações da Organização das Nações Unidas-ONU denominado “Agenda 2030”, assumiu um compromisso internacional. Esse compromisso internacional tem como objetivos alcançar a igualdade de gênero, promover o trabalho decente para todos e o crescimento econômico inclusivo e sustentável, além de reduzir as desigualdades, promover o acesso à Justiça e construir instituições eficazes, na busca de um mundo mais justo, até 2030.

Como pontuado na sentença, embora a igualdade entre homens e mulheres esteja prevista desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e na Constituição brasileira de 1988, ainda há desigualdades reais. No ambiente de trabalho, as mulheres, frequentemente, enfrentam discriminação velada, exacerbada por situações de vulnerabilidade.

Segundo esclareceu a magistrada, para combater essa discriminação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação 128, incentivando a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero nos casos que envolvem situações de assédio sexual, gênero, origem e etnia. Inspirado por normas da ONU, esse protocolo visa assegurar julgamentos que evitem perpetuar estereótipos e discriminações, exigindo maior sensibilidade do julgador na análise de situações de assédio contra mulheres, levando em conta o impacto psicológico e profissional que essas experiências causam.

A juíza ainda ressaltou que, complementando essa iniciativa, a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 2019 e em processo de ratificação pelo Brasil, define a violência e o assédio no trabalho como inaceitáveis, oferecendo a primeira estrutura internacional para eliminar essas práticas e garantir ambientes laborais seguros, livres de discriminação e violência.

O hospital recorreu, mas a sentença foi mantida, nesse aspecto, pela Décima Turma do TRT-MG. O réu então interpôs recurso de revista, cujo seguimento foi denegado pelo desembargador 1º vice-presidente do TRT-3ª Região. O TST negou provimento ao agravo de instrumento do réu. Atualmente, o processo retornou à 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte para o início da execução da dívida trabalhista e está na fase de atualização dos valores devidos.

Fonte: TRT 3

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