A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que compete à Justiça Federal julgar a conduta delituosa de divulgar pelo Facebook mensagens de cunho discriminatório contra o povo judeu, por estar configurada potencial transnacionalidade do crime, uma vez que o conteúdo racista veiculado na rede social é acessível no exterior.
“No caso dos autos, diante da potencialidade de o material disponibilizado na internet ser acessado no exterior, está configurada a competência da Justiça Federal, ainda que o conteúdo não tenha sido efetivamente visualizado fora do território nacional”, afirmou o relator, ministro Joel Ilan Paciornik.
O conflito de competência foi instaurado entre o juízo de direito da 1ª Vara Criminal do Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – suscitante – e o juízo federal da 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Minas Gerais – suscitado.
Investigação
O caso começou a ser investigado em 2015, quando o juízo federal determinou a quebra de sigilo cadastral e telemático de usuários do Facebook para esclarecer crimes de divulgação de conteúdo racista, por meio de comentários postados no perfil denominado “Hitler da Depressão – a todo gás”.
Em novembro daquele ano, o juízo federal determinou a remessa dos autos para a Justiça estadual de Minas Gerais.
Após diligências junto ao Facebook e às operadoras de telefonia, o Ministério Público de Minas concluiu que o crime se consumou em Curitiba, razão pela qual solicitou o encaminhamento do processo com urgência àquela comarca.
Em janeiro de 2019, o juízo da 1ª Vara Criminal do Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba, com base no julgamento do Recurso Extraordinário 628.624 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), suscitou o conflito de competência no STJ, alegando se tratar de um caso federal.
Internacional
Segundo o ministro Paciornik, a investigação mostra ser incontestável que o conteúdo divulgado no Facebook, na página “Hitler da Depressão – a todo gás”, possui conteúdo discriminatório contra todo o povo judeu, e não contra pessoa individualmente considerada.
O relator explicou que, na época em que tiveram início as investigações, não havia sólido entendimento das cortes superiores brasileiras acerca da configuração da internacionalidade de mensagens postadas no Facebook. Todavia, afirmou o ministro, o tema – de repercussão geral reconhecida – foi amplamente discutido no RE 628.624, e o entendimento adotado pelo STF passou a ser seguido também pelo STJ.
“Muito embora o paradigma da repercussão geral diga respeito à pornografia infantil, o mesmo raciocínio se aplica ao caso concreto, na medida em que o acórdão da Suprema Corte vem repisar o disposto na Constituição Federal, que reconhece a competência da Justiça Federal não apenas no caso de acesso da publicação por alguém no estrangeiro, mas também nas hipóteses em que a amplitude do meio de divulgação tenha o condão de possibilitar o acesso”, esclareceu.
Aplicando o entendimento ao caso em julgamento, o ministro disse ser possível reconhecer a competência da Justiça Federal, ainda mais porque a conduta de racismo está prevista em tratado internacional ratificado pelo Brasil, e as mensagens postadas podem ter produzido efeito no exterior.
Terceiro juízo
Joel Paciornik observou que, pela singularidade do caso e pelo fato de as diligências apontarem que as postagens racistas partiram de usuário localizado em Curitiba, é necessária a fixação de competência de terceiro juízo, que não figura no conflito em julgamento.
Ele explicou que as perícias realizadas quando os autos se encontravam em Belo Horizonte concluíram que as postagens partiram de Curitiba, e que o artigo 70 do Código de Processo Penal preceitua que a competência é determinada pelo lugar em que se consumou a infração.
“Considerando que o Brasil é signatário de Convenção Internacional sobre Combate ao Racismo; considerando que os agentes utilizaram meio de divulgação de amplo acesso no exterior e que as postagens partiram de usuário localizado no município de Curitiba, entendo estar configurada a competência da Justiça Federal da Seção Judiciária em Curitiba”, concluiu o ministro.
Em decisão na qual indeferiu pedido de habeas corpus impetrado contra o isolamento social em Pernambuco, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz afirmou que, tirando o Brasil e os Estados Unidos, talvez em nenhum outro país “o líder nacional se coloque, ostensiva e irresponsavelmente, em linha de oposição às orientações científicas de seus próprios órgãos sanitários e da Organização Mundial de Saúde”.
“Em nenhum país, pelo que se sabe, ministros responsáveis pela pasta da Saúde são demitidos por não se ajustarem à opinião pessoal do governante máximo da nação e por não aceitarem, portanto, ser dirigidos por crenças e palpites que confrontam o que a generalidade dos demais países vem fazendo na tentativa de conter o avanço dessa avassaladora pandemia”, acrescentou Schietti.
Com o habeas corpus coletivo submetido ao STJ, a deputada estadual Erica Clarissa Borba Cordeiro de Moura (PSC) – conhecida na política local como Clarissa Tércio – pretendia a concessão de salvo-conduto para que os cidadãos de Pernambuco pudessem circular livremente, a despeito do Decreto Estadual 49.017, do último dia 11, que intensificou as medidas de restrição à movimentação de pessoas para combater a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Segundo a deputada, “quarentena ou lockdown é medida somente aceitável em estado de sítio ou em tempo de guerra”. Ela sustentou que o decreto do governador, ao criar a possibilidade de apreensão de veículos e até mesmo de privação de liberdade das pessoas, teria violado competência da União, tornando-se inconstitucional.
Inviabilidade jurídica
Em sua decisão, o ministro Schietti, relator do processo, reportou-se à jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) para concluir que o habeas corpus “não é cabível contra ato de caráter normativo, para discussão de lei em tese e situações gerais e abstratas, nem é sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade, sob pena de grave deformação do instituto e inaceitável desvio de sua função”.
Também com respaldo em entendimento do STF, o ministro considerou que parlamentar estadual não tem legitimidade processual para representar os interesses coletivos dos supostos beneficiários do habeas corpus.
Segundo o ministro, além de não ter viabilidade jurídica, o pedido da deputada “parece ignorar o que acontece, atualmente, em nosso país”. Mencionando os números de vítimas da pandemia – 17.971 mortes até terça-feira (19) –, ele ressaltou que Pernambuco é o segundo estado mais afetado do Nordeste, com 1.741 óbitos.
Medidas mais drásticas de prevenção, de acordo com Schietti, foram adotadas em diversos países, diante do agravamento da crise sanitária, que já produziu mais de 4,7 milhões de casos de Covid-19 no mundo todo.
Recado de confronto
“A grande e principal diferença em relação a esses países e o nosso é que em nenhum deles – à exceção, talvez, dos Estados Unidos, cujo presidente é tão reverenciado por seu homólogo brasileiro – existe uma clara dissensão entre as políticas nacional e regionais”, comentou o relator.
Ao falar sobre a expectativa de agravamento da situação no Brasil, Schietti declarou que “boa parte dessa realidade se pode creditar ao comportamento de quem, em um momento como este, deveria deixar de lado suas opiniões pessoais, seus antagonismos políticos, suas questões familiares e suas desavenças ideológicas, em prol da construção de uma unidade nacional”. Ele lamentou, porém, que o recado seja outro.
“O recado transmitido é, todavia, de confronto, de desprezo à ciência e às instituições e pessoas que se dedicam à pesquisa, de silêncio ou até de pilhéria diante de tragédias diárias. É a reprodução de uma espécie de necropolítica, de uma violência sistêmica, que se associa à já vergonhosa violência física, direta (que nos situa em patamares ignominiosos no cenário mundial), e à violência ideológica, mais silenciosa, porém igualmente perversa, e que se expressa nas manifestações de racismo, de misoginia, de discriminação sexual e intolerância a grupos minoritários.”
A soma de tudo isso, segundo Schietti, “gera um sentimento de insegurança, de desesperança, de medo – ingredientes suficientes para criar uma ambiência caótica, propícia a propostas não apenas populistas mas de retrocesso institucional, como tem sido a tônica nos últimos tempos”.
Em sessão realizada nesta quarta-feira (20) por videoconferência, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referendou decisão do ministro Og Fernandes, proferida em 28 de abril, para afastar de suas funções, pelo prazo de um ano, um desembargador do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO).
A medida cautelar foi deferida nos autos do inquérito que apura a suposta prática de diversos crimes, como lavagem de dinheiro, corrupção e formação de organização criminosa – na qual o magistrado atuaria como elemento central.
Og Fernandes explicou que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) dispõe em seuartigo 29 que, em razão da natureza ou da gravidade da infração penal, o magistrado pode ser afastado do cargo por decisão tomada pelo voto de dois terços dos membros do tribunal ou do seu órgão especial, em caso de recebimento da denúncia ou queixa.
Portanto – ressaltou –, quando decretado monocraticamente pelo relator do caso, o afastamento cautelar de magistrados exige o referendo pela Corte Especial do STJ, com o quórum mínimo de dois terços dos membros do colegiado.
Honorários
Segundo o ministro, a investigação indica que o desembargador, usando contas bancárias próprias, de sua esposa e de seu motorista, dividiria com um grupo de advogados os honorários oriundos de processos judiciais, nos quais atuava como magistrado.
O ministro afirmou que há nos autos diversos relatos de suspeitas de venda de decisões judiciais que podem comprometer o investigado. Em processos envolvendo a empresa Furnas Centrais Elétricas S/A, foram detectadas decisões do TJTO que aumentaram em muito o valor dos honorários advocatícios, o que beneficiou o próprio magistrado, uma vez que atuou nesses casos quando ainda era advogado (ele ingressou no tribunal por meio do quinto constitucional).
De acordo com o relator, as informações do inquérito permitem vislumbrar “a possível existência de uma organização criminosa, na qual os investigados atuaram de forma estruturada e com divisão clara de suas tarefas para a obtenção de vantagens econômicas por meio da prática, em tese, dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro”.
Movimentação financeira
Em sua decisão, Og Fernandes destacou que, nos três anos anteriores à posse como desembargador no TJTO, o investigado movimentou cerca de R$ 4,5 milhões. No triênio imediatamente posterior à sua posse, o volume de recursos movimentado quase triplicou, alcançando aproximadamente R$ 11,5 milhões. Nos anos seguintes, a tendência de alta continuou, atingindo em 2017 (último ano analisado) mais de R$ 12 milhões.
Para o ministro, o afastamento do cargo “é providência imperiosa, pois representa a perda do poder de obstrução das investigações ou da permanência da atividade criminosa, que poderia prejudicar o desenvolvimento do inquérito”.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reviu seu entendimento e concluiu que o aumento de pena no crime de posse de drogas para consumo próprio deve ocorrer apenas quando a reincidência for específica. O colegiado negou provimento a recurso do Ministério Público que sustentava que bastaria a reincidência genérica.
Para o ministro Nefi Cordeiro, relator, a melhor interpretação a ser dada ao parágrafo 4º do artigo 28 de Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) deve levar em conta que ele se refere ao caput do dispositivo, e, portanto, a reincidência diz respeito à prática do mesmo crime – posse de drogas para uso pessoal.
As penas de prestação de serviços à comunidade e de comparecimento a programa ou curso educativo, previstas nos incisos II e III do artigo 28 da Lei de Drogas, são aplicadas pelo prazo máximo de cinco meses (parágrafo 3º), mas esse prazo sobe para dez meses no caso de reincidência (parágrafo 4º).
Roubo
No caso analisado pelos ministros, o réu foi condenado pelos crimes de receptação e de posse de drogas para consumo próprio. Como havia uma condenação anterior por roubo, foi aplicada a causa de aumento do artigo 28, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, ficando a pena em um ano de reclusão e dez meses de prestação de serviços comunitários.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo deu provimento à apelação da defesa para afastar a reincidência e reduzir a pena quanto à posse de drogas para cinco meses de prestação de serviços.
Para o Ministério Público, a condenação anterior por roubo seria motivo para o aumento da pena no crime da Lei de Drogas, pois a reincidência considerada no caso deveria ser a genérica – aplicável frente a qualquer crime previamente cometido.
Melhor reflexão
O ministro Nefi Cordeiro disse que, não obstante a existência de precedente da Sexta Turma que considerou a reincidência genérica, uma melhor reflexão sobre o assunto conduz à conclusão de que a reincidência mencionada no parágrafo 4º do artigo 28 tem de ser específica, ou seja, relativa ao mesmo crime de posse para consumo próprio.
“A melhor exegese, segundo a interpretação topográfica, essencial à hermenêutica, é de que os parágrafos não são unidades autônomas, estando vinculadas ao caput do artigo a que se referem”, explicou.
Por essa razão, segundo o ministro, a condenação anterior por roubo não impede a aplicação do limite máximo de cinco meses para as penas dos incisos II e III do artigo 28, como determinado no parágrafo 3º do dispositivo.
Para a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a definição do artigo 2º, V, da Lei 8.059/1990 também deve ser aplicada ao caso de viúva de militar que passou a conviver em união estável após a morte do marido, já que essa situação é equiparável ao casamento. De acordo com a lei, viúva é a mulher que era casada com o ex-combatente falecido e que não voltou a se casar.
Com base nesse entendimento, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que permitiu a possibilidade de recebimento, pela viúva, da pensão especial de ex-combatente da Segunda Guerra, mesmo após o início de um novo relacionamento, em união estável.
Segundo o processo, a mulher, de 49 anos, casou-se com um ex-combatente de 89 anos, segundo-tenente das Forças Armadas, que faleceu poucos meses depois, e passou a receber pensão especial por morte. Por ter sido casada anteriormente, a mulher também recebia pensão estatutária do ex-marido.
No recurso apresentado ao STJ, a União alegou que a mulher não faz jus à pensão especial relacionada ao casamento com o ex-combatente, pois há vedação expressa na lei acerca do recebimento do benefício caso a viúva volte a se casar.
Sem discriminação
O relator do caso, ministro Gurgel de Faria, explicou que o STJ, em consonância com o texto constitucional, reconhece a união estável como entidade familiar, sem discriminação alguma dos companheiros em relação aos cônjuges, ainda que a expressa previsão legal só assegure o benefício à ex-esposa.
O ministro esclareceu que a Lei 8.059/1990, ao dispor sobre a pensão especial devida aos ex-combatentes e a seus dependentes, considera “viúva a mulher com quem o ex-combatente estava casado quando falecera, e que não voltou a casar-se”.
Para Gurgel, a restrição do dispositivo alcança a viúva de militar que passou a conviver em união estável após a morte do beneficiário, mesmo sem contrair novas núpcias, porque foi constituída instituição familiar equiparável ao casamento.
“Da mesma maneira que não pode haver discriminação para a companheira receber pensão ao lado da ex-esposa, à míngua de expressa previsão legal, a convivência marital não convolada em núpcias também pode servir de obstáculo para viúva ser beneficiada com a pensão, embora silente a norma acerca da união estável”, explicou.
Segundo o relator, o fato de a lei omitir a condição de companheira não impede que tal status venha a ser considerado para afastar o direito postulado.
“No caso presente, a partir do momento em que a autora passou conviver maritalmente com outra pessoa, deixou de atender ao requisito legal para a percepção da pensão almejada, na condição de viúva, embora a dicção legal não se refira, especificamente, à união estável como óbice, mas apenas a novo casamento”, afirmou o ministro ao dar provimento ao recurso especial da União.
A parte que recebe um direito litigioso mediante cessão sujeita-se a todos os seus efeitos, com a efetivação da sucessão processual, inclusive nas hipóteses em que esse direito corresponda, na verdade, a um débito, e não a um crédito. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento a recursos interpostos contra decisão que julgou procedentes os embargos de terceiro opostos pelo cedente, visando afastar a penhora de valores de sua titularidade no processo em que se operou a cessão de crédito e a consequente sucessão das partes.
No caso em análise, o banco cedeu a uma companhia securitizadora um título executivo extrajudicial, supostamente representativo de crédito contra três particulares. Após os cálculos realizados pelo perito judicial, nos autos de embargos à execução em fase de cumprimento de sentença, apurou-se que o direito litigioso alienado caracterizava, na verdade, um débito, em vez de um crédito, acarretando a constrição de bens do cedente, que não mais integrava a lide executiva.
Foram opostos embargos de terceiro pelo banco, sobrevindo sentença de improcedência, dada a probabilidade de se reconhecer a invalidade da cessão, visto que o crédito cedido não existia. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença para afastar o bloqueio sobre bens do banco, porquanto excluído este dos embargos à execução (à época na fase de conhecimento), assim que realizada a cessão, considerando ser terceiro o cedente em relação a essa execução.
Nos recursos ao STJ, tanto a securitizadora quanto os particulares detentores do crédito defenderam que os atos executivos deveriam ser dirigidos ao banco, pois a cessão não se aperfeiçoou, já que o objeto era um crédito, e não deveres e obrigações.
Risco assumido
Segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator dos recursos, a parte cessionária sabia dos riscos e decidiu assumi-los ao aceitar a titularidade do direito litigioso.
“Não mais integrando o banco a relação jurídica de direito material e processual constante dos feitos executivos, em que se reconheceu serem credores os primitivos executados, e não devedores, ostenta a casa bancária, de fato, condição de terceiro” – explicou o ministro, ao justificar a manutenção do acórdão que afastou a penhora sobre montante de titularidade do banco.
Ele lembrou que a alienação de coisa ou direito litigioso é expressamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro, constituindo basicamente a transferência da titularidade, mas não alterando necessariamente a legitimidade das partes.
Sucessão processual
No caso em questão, de acordo com o ministro, ocorreu situação diferente da prevista no artigo 42 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 (correspondente ao artigo 109 do CPC/2015), pois houve sucessão processual, incluindo-se a securitizadora na causa como legitimada ordinária superveniente, em defesa de direito próprio que lhe foi transferido por cessão.
A discussão levantada pelos recorrentes sobre a higidez da alienação, segundo o ministro, deve ser feita em ação própria, mediante contraditório específico.
“Não pode a adquirente/cessionária favorecer-se apenas dos bônus provenientes da cessão, se sabidamente adquiriu um crédito litigioso do banco sucedido, passando, inclusive, a ingressar nas ações executivas, defendendo direito próprio”, explicou Bellizze.
Quando o empreendedor decide entrar no mercado para oferecer produtos ou serviços, certamente não espera que seu negócio vá integrar o grupo de mais de 2.500 empresas que, apenas nos últimos dois anos, acabaram recorrendo ao instituto da recuperação judicial para evitar a falência.
De acordo com o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações Judiciais, a maioria dos pedidos judiciais de reorganização econômica, administrativa e financeira são apresentados por micro e pequenas empresas, mas há um considerável número de médias e grandes corporações que também buscam se reerguer.
Os motivos para os pedidos de recuperação são múltiplos e variam de acordo com o porte de cada empresa, mas normalmente têm relação com o contexto econômico do país. Em cenários de recessão ou crescimento muito baixo, como o atravessado pelo Brasil nos últimos anos, o ambiente de consumo é afetado diretamente, e muitas empresas têm mais dificuldade de se manter saudáveis com a diminuição dos negócios.
Por outro lado, para fugir do desemprego, muitas pessoas se lançam em uma espécie de “empreendedorismo por necessidade” e, na falta de conhecimento adequado sobre gestão do negócio, acabam sofrendo instabilidades financeiras que as levam a buscar o auxílio da Justiça.
O principal marco legal que orienta os pedidos de recuperação judicial é a Lei 11.101/2005, que reformou o regime jurídico das empresas em crise, anteriormente disciplinado pelo Decreto-Lei 7.661/1945. A nova Lei de Recuperação Judicial e Falência extinguiu o instituto da concordata, que era considerado muito restrito em termos de empresas potencialmente beneficiadas.
Elaborada sob o espírito de preservação da atividade empresária, manutenção de empregos e proteção aos credores, a lei estabelece todas as etapas necessárias para a reorganização das finanças da companhia. O processo de soerguimento, entretanto, é complexo e comumente gera contestações que, em último grau, chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a palavra final sobre o conflito e a fixação de teses jurídicas que orientam todo o Judiciário na matéria.
A jurisprudência do STJ sobre as etapas da recuperação judicial é o tema da série de reportagens Em busca da recuperação, que começa neste domingo e continua nos dois seguintes. A primeira parte apresenta os julgados do tribunal sobre sujeição de créditos ao processo de recuperação de empresas.
Marcos
Em linhas gerais, o processamento da recuperação judicial segue as seguintes etapas, conforme a Lei 11.101/2005:
Logo na petição inicial do pedido de recuperação, o artigo 51 da Lei 11.101/2005 prevê que a empresa interessada indique a relação nominal dos credores, bem como a natureza, a classificação e o valor atualizado dos créditos. O artigo 49 especifica que estão sujeitos à recuperação todos os créditos existentes até a data do pedido, ainda que não vencidos.
Só após a apresentação da relação de credores é que o juiz da recuperação nomeia um administrador judicial (artigo 21) e dá início ao chamado stay period – suspensão, pelo prazo de 180 dias, dos processos contra a empresa (artigo 6º). Os prazos de prescrição também ficam suspensos.
A classificação dos créditos na recuperação judicial obedece à seguinte ordem:
Apesar da previsão legal de inclusão dos créditos existentes até o momento do pedido de recuperação, a Terceira Turma do STJ entendeu que os créditos trabalhistas oriundos de sentença posterior ao início do processo de recuperação devem ser submetidos aos seus efeitos.
Inicialmente, o magistrado extinguiu sem resolução do mérito o pedido de habilitação de crédito trabalhista, por considerar que o valor foi constituído pela sentença da Justiça do Trabalho em data posterior ao ajuizamento da recuperação. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
No voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado, o ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que, em um contrato trabalhista, a partir do momento em que o trabalhador presta o serviço, ele assume a condição de credor de seu empregador – o qual, encerrado o mês, deve efetivar a contraprestação pelo trabalho.
Por isso, apontou o ministro, uma sentença que reconheça o direito do trabalhador em relação a essa verba trabalhista certamente não constitui o crédito, apenas o declara. “E, se esse crédito foi constituído em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, aos seus efeitos se encontra submetido, inarredavelmente”, afirmou.
Segundo Bellizze, o artigo 6º da Lei 11.101/2005 permite o prosseguimento das ações trabalhistas na própria Justiça do Trabalho, que decidirá as impugnações ao crédito postulado na recuperação, bem como apurará o valor a ser inscrito no momento de sua definição no quadro geral de credores, sendo possível, inclusive, determinar a reserva de importância que estiver devida na recuperação judicial.
“Constata-se que a ação trabalhista – que verse, naturalmente, sobre crédito anterior ao pedido da recuperação judicial – deve prosseguir até a sua apuração, em vindoura sentença e liquidação, a permitir, posteriormente, a inclusão no quadro de credores”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso para incluir o crédito trabalhista na recuperação (REsp 1.634.046).
Honorários
Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e, por isso, equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência e recuperação judicial, como decidido pela Corte Especial ao analisar o REsp 1.152.218, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 637).
No REsp 1.539.429, a Terceira Turma entendeu que o crédito relativo a honorários advocatícios sucumbenciais pode ser habilitado na recuperação judicial simultaneamente com o crédito trabalhista reconhecido na Justiça do Trabalho, sem a necessidade de habilitação autônoma pelo advogado, em razão da legitimidade concorrente da parte titular do crédito trabalhista.
Ao habilitar o crédito, o credor trabalhista indicou os valores fixados pela sentença a título de honorários sucumbenciais em favor dos advogados que o representaram na Justiça do Trabalho. O juiz acolheu o pedido, determinando a inclusão da verba trabalhista e dos honorários no quadro geral de credores – decisão mantida em segunda instância.
O relator do recurso do grupo em recuperação, ministro Villas Bôas Cueva, apontou jurisprudência do STJ no sentido de que, apesar da inegável autonomia entre o crédito trabalhista e o crédito resultante de honorários sucumbenciais, além da circunstância de terem sido constituídos em momentos distintos, seria incongruente a submissão do crédito principal (trabalhista) aos efeitos da recuperação e a exclusão da verba honorária.
Segundo o ministro, além de ambos os créditos possuírem natureza alimentar, “é possível afirmar, em virtude do princípio da causalidade, que os honorários advocatícios estão intrinsecamente ligados à demanda que lhes deu origem, afigurando-se, portanto, como inaceitável situação de desigualdade a integração do crédito trabalhista ao plano de recuperação judicial e a não sujeição dos honorários advocatícios aos efeitos da recuperação judicial, visto que empresta ao patrono da causa garantia maior do que a conferida ao empregado/reclamante”.
Por decorrência lógica, afirmou o relator, ainda que os honorários sucumbenciais sejam de titularidade dos advogados que atuaram no feito, a legitimidade para sua habilitação no âmbito da recuperação judicial – da mesma forma que para a execução – pode ser conferida de forma concorrente à parte.
Créditos pós-recuperação
Ao julgar o REsp 1.443.750, a Terceira Turma concluiu que o crédito de honorários sucumbenciais constituído após o pedido de recuperação deve se sujeitar ao plano de recuperação judicial e a seus efeitos.
No voto vencedor, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que a exclusão dos créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial, na forma prevista pela Lei 11.101/2005, tem a finalidade de proporcionar o regular funcionamento da empresa, assegurando ao devedor o acesso a contratos comerciais, bancários, trabalhistas e outros relacionados à atividade-fim do empreendimento, com o objetivo de viabilizar a sua reabilitação.
Essa condição, apontou, funciona como uma espécie de “privilégio” para aqueles que assumiram riscos e ajudaram na superação da crise empresarial.
Entretanto, Villas Bôas Cueva ressaltou que o crédito decorrente de honorários de sucumbência, além de previsível, não contribuirá para o soerguimento da empresa, não havendo motivo para que lhe seja atribuído regime mais benéfico na execução em virtude de sua natureza alimentar.
Além disso, o ministro reafirmou que, no caso, não seria lógico sujeitar o crédito de reclamação trabalhista ao plano de recuperação e excluir os honorários de seus efeitos.
Indenização
No âmbito das ações de ressarcimento, a Terceira Turma entendeu que o crédito de indenização cuja sentença transitou em julgado após o pedido de recuperação deve se submeter ao plano de soerguimento, tendo em vista que o evento danoso ocorreu antes do pedido recuperacional.
No processo que deu origem ao recurso, as autoras apresentaram pedido de cumprimento da sentença que condenou um supermercado a indenizá-las por danos morais em virtude do consumo de leite adulterado.
Depois de receber o pedido, o juiz determinou o início da fase de execução, por entender que o crédito não se submeteria aos efeitos da recuperação do supermercado. A decisão foi mantida pelo TJRS.
A ministra Nancy Andrighi destacou que a constituição do crédito não se deu com a prolação da decisão judicial que reconheceu e quantificou o dano ao direito das autoras, mas com a própria ocorrência do evento danoso.
“Vale dizer, o sujeito prejudicado assume a posição de credor da reparação civil derivada de ato lesivo contra ele intentado desde a sua prática, e não com a declaração judicial de sua ocorrência. Tanto é assim que, nas hipóteses de responsabilidade civil extracontratual, o marco inicial de fluência dos juros decorrentes da mora do devedor é contado da data do evento danoso (Súmula 54/STJ)”, afirmou a relatora.
Ao dar provimento ao recurso do supermercado, Nancy Andrighi lembrou que a própria Lei de Recuperação Judicial e Falência fixa que, no caso de ação sobre quantia ilíquida, cujo processamento não é suspenso pelo pedido recuperacional, o crédito decorrente da respectiva sentença deve ser incluído no quadro geral de credores, podendo o juiz onde ela tramita, inclusive, determinar a reserva de valor para a satisfação da obrigação (processo em segredo judicial).
Alienação fiduciária
Entre as hipóteses de exclusão de créditos, a Segunda Seção estabeleceu no CC 131.656 que não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os valores garantidos por alienação fiduciária de bem não essencial à atividade empresarial.
O conflito de competência foi suscitado por um grupo industrial de usinas de açúcar e álcool que entrou com pedido de recuperação no Recife. Segundo o grupo, apesar da suspensão das execuções contra as empresas recuperandas, alguns juízos não vinham respeitando essa condição, pois uma vara cível em São Paulo determinou o prosseguimento da execução de título extrajudicial apresentado por uma empresa de commodities. O valor da execução ultrapassava R$ 30 milhões.
Em resposta, a empresa de commodities alegou que os contratos de compra e venda de açúcar para exportação – objeto da execução – eram garantidos por imóveis com alienação fiduciária e, portanto, não se submeteriam ao juízo da recuperação.
A ministra Isabel Gallotti lembrou que o artigo 49 da Lei 11.101/2005 estabelece que estão sujeitos à recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Entretanto, o parágrafo 3º do mesmo artigo excepciona certos credores – como os proprietários fiduciários de bens móveis ou imóveis –, proibindo, todavia, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor de bens de capital essenciais à sua atividade empresarial.
Nesse sentido, apontou a relatora, a jurisprudência do STJ, inspirada no princípio da preservação da empresa, estabeleceu hipóteses em que se abre exceção à regra da não submissão do crédito garantido por alienação fiduciária ao procedimento da recuperação judicial – por exemplo, o parque fabril da empresa ou o maquinário comprovadamente necessário à produção.
Todavia, no caso dos autos, a ministra Gallotti observou que o grupo de usinas não indicou peculiaridade alguma que pudesse justificar exceção à regra legal. A empresa apenas alegou que tinha a intenção de obter recursos com a venda dos imóveis.
“Considerar que a mera intenção de ‘fazer caixa’, mediante a venda dos imóveis alheios (de propriedade do credor fiduciário), possa justificar exceção à regra do artigo 49, parágrafo 3º, implicaria tornar sem substância o regime legal da propriedade fiduciária, uma vez que, repita-se, recursos financeiros sempre serão essenciais à recuperação de qualquer empreendimento”, concluiu a ministra ao declarar a competência da vara comum de São Paulo para prosseguir com os atos de execução.
ACCs
Para a Terceira Turma, também não se submetem aos efeitos da recuperação judicial as execuções de títulos de Adiantamento a Contrato de Câmbio (ACC). O ACC é uma antecipação financeira parcial ou total para empresas que venderam produtos no mercado internacional com entrega futura – nesses casos, o banco adianta capital ao exportador antes do produto seguir para o destino final.
No caso analisado pelo colegiado (REsp 1.279.525), apesar de reconhecer que o artigo 49, parágrafo 4º, da Lei 11.101/2005 prevê que a cobrança dos adiantamentos de créditos em contratos de câmbio não é influenciada pelo deferimento da recuperação, o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) levou em conta a circunstância dos autos – em que mais da metade das dívidas da empresa era decorrente de ACCs – para afastar a incidência da norma.
Segundo o TJPA, a decisão tinha o objetivo, sobretudo, de não tornar inócuo o artigo 47 da mesma lei, que especifica que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise na empresa.
Todavia, de acordo com o ministro Villas Bôas Cueva, o artigo 49, parágrafo 4º, é norma cogente (de aplicação obrigatória), enquanto o artigo 47 estabelece um princípio; como são dispositivos da mesma lei – “portanto, do mesmo nível hierárquico” –, não há razão para que o segundo prevaleça sobre o primeiro.
“Quando a estipulação do princípio não advém de legislação editada com o fim de dispor sobre normas gerais, mas do mesmo plano normativo que a regra, a regra deve prevalecer sobre o princípio, salvo se houver declaração de inconstitucionalidade que lhe retire eficácia”, afirmou o relator.
Para ele, há uma opção clara da Lei 11.101/2005 no sentido de preservar a restituição dos ACCs pela via independente à do plano de recuperação.
“Se a recuperação judicial resta inviável, embora também grave e custosa, infelizmente outra solução não se afigura juridicamente possível que não aquela dada pela lei, isto é, a decretação da falência da empresa. Mesmo porque, também nessa hipótese, o ordenamento jurídico oferece respostas minimamente adequadas para a continuidade da atividade empresarial, manutenção dos empregos etc., complexidades que foram exatamente objeto das justas preocupações do tribunal de origem” – concluiu o ministro ao reformar o acórdão do TJPA.
Aval
No caso de créditos oriundos de aval, sua submissão à recuperação depende da verificação da característica da garantia prestada: se realizada a título gratuito, aplica-se o artigo 5º da Lei 11.101/2005 para afastar o crédito do processo; se prestada a título oneroso, o crédito se sujeita aos efeitos da recuperação, nos termos do artigo 49 da lei.
Com base nesse entendimento, a Terceira Turma determinou o retorno dos autos ao primeiro grau para que o juiz da recuperação analise o tipo de garantia cambiária que foi prestada pela sociedade recuperanda – o credor do título era o Banco do Brasil.
O aval representa garantia prestada em favor de devedor de título de crédito, caracterizada pelo fato de o avalista responder pelo cumprimento da obrigação da mesma maneira que o devedor principal.
Relatora do recurso do banco, a ministra Nancy Andrighi lembrou que os parágrafos 3º e 4º do artigo 49 da Lei de Recuperação estipulam créditos que não estão sujeitos aos efeitos da recuperação, entre os quais não está incluído o aval.
Contudo, a ministra ressaltou que o artigo 5º, parágrafo I, da Lei 11.101/2005 afasta expressamente a exigibilidade das obrigações a título gratuito da recuperação judicial.
De acordo com Nancy Andrighi, no meio empresarial, é normal que as relações negociais envolvam a prestação de garantias em contrapartida a algum ato praticado – ou que será praticado – pelo avalizado ou por terceiros.
“Nessas hipóteses, portanto – em que a declaração cambiária em questão assume contornos de natureza onerosa –, a norma do artigo 5º, I, da lei não tem aplicabilidade, devendo o crédito correspondente, por imperativo lógico, sujeitar-se aos efeitos da recuperação judicial”, disse a ministra.
Como as instâncias ordinárias não examinaram as circunstâncias que motivaram a concessão do aval pela empresa, Nancy Andrighi entendeu que os autos deveriam retornar à primeira instância para se verificar se a obrigação pode ou não ser classificada como ato de mera liberalidade (REsp 1.829.790).
Créditos tributários
No julgamento do REsp 1.466.200 pela Quarta Turma, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, explicou que o artigo 187 do Código Tributário Nacional – assim como o artigo 29 da Lei de Execução Fiscal – dispõe que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, liquidação, inventário ou arrolamento. Por isso, afirmou, as execuções fiscais devem ter curso normal nos juízos competentes.
O relator observou, porém, que “os credores tributários sujeitam-se ao concurso material (ou obrigacional), decorrente da falência ou da recuperação judicial, pois deverão ser respeitadas as preferências dos créditos trabalhistas e daqueles com garantia real, sem olvidar-se do pagamento prioritário dos créditos extraconcursais e das importâncias passíveis de restituição”.
Apesar da possibilidade de cobrança por execução fiscal, Luis Felipe Salomão ressaltou que não há impedimento para que o fisco, no exercício do juízo de conveniência e oportunidade, venha a requerer a habilitação de seus créditos nos autos da recuperação, submetendo-se à ordem de pagamento prevista na Lei 11.101/2005, o que implicará a renúncia do rito previsto na Lei 6.830/1980.
Jurisprudência
A edição número 65 de Jurisprudência em Teses traz, entre outros, o entendimento de que “os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, recuperação judicial e privilégio geral em concurso de credores nas execuções fiscais” (Tema 637 dos recursos repetitivos).
A Pesquisa Pronta, em diversas edições, apresenta julgados sobre os créditos sujeitos à recuperação:
A publicação Bibliografias Selecionadas, da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, traz, periodicamente, referências de livros, artigos de periódicos, legislação, notícias de portais especializados e outras mídias sobre temas relevantes para o STJ e para a sociedade – muitos deles com texto integral.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estendeu até 15 de junho o prazo para a realização das sessões de julgamento ordinárias e extraordinárias por videoconferência, em razão da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). De acordo com a Instrução Normativa STJ/GP 8, o prazo vale para todos os colegiados do tribunal – Corte Especial, seções e turmas.
As sessões por videoconferência foram autorizadas pelo Pleno do STJ em 17 de abril e regulamentadas por meio da Resolução STJ/GP 9. Apesar da previsão inicial de realização dos julgamentos no novo formato até 31 de maio, a própria resolução estabelecia a possibilidade de prorrogação do prazo, por ato do presidente do tribunal, conforme a evolução da pandemia.
No último dia 5, foram realizadas as primeiras sessões ordinárias por videoconferência das turmas, enquanto a primeira da Corte Especial aconteceu no dia 6. As seções retornaram no dia 13.
Os julgamentos colegiados são realizados com a participação do Ministério Público e dos advogados, os quais podem fazer sustentação oral ou apresentar questões de fato – desde que preencham o formulário de inscrição até 24 horas antes do horário previsto para o início da sessão.
Todas as sessões são transmitidas ao público pelo canal do STJ no YouTube, inclusive com tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Prazos
Com o restabelecimento das reuniões dos colegiados, o STJ determinou, por meio da Resolução STJ/GP 10 , o retorno da fluência dos prazos processuais a partir de 4 de maio. Entretanto, segundo a resolução, durante a vigência das medidas de prevenção do contágio da Covid-19, continuarão suspensos os prazos dos processos judiciais que tramitam em meio físico.
A hipótese excepcional de desaforamento do júri popular para outra comarca – prevista nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal – não pode ser autorizada pela mera suposição de que a imparcialidade dos jurados tenha sido afetada por comentários sobre o processo feitos por membro do Ministério Público na imprensa da região.
Com base nesse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou seguimento a habeas corpus no qual a defesa alegava que, em virtude de comentários negativos feitos pelo promotor sobre o réu e seus advogados na imprensa local, seria necessária a mudança da comarca para a realização do júri.
De acordo com os autos, o réu foi julgado em 2016 pelo tribunal do júri da comarca de Três Lagoas (MS). Ele foi condenado pelo crime de homicídio qualificado à pena de 14 anos de reclusão, mas teve a condenação anulada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), que determinou a realização de novo julgamento.
Entrevista
Segundo a defesa, o representante do Ministério Público concedeu entrevista para a imprensa narrando com detalhes todo o trâmite processual e falando sobre as provas produzidas e a condenação anterior do réu.
Para a defesa, as palavras no promotor tiveram o objetivo de contaminar as pessoas da cidade, de forma que fosse criado um sentimento negativo contra o réu e seus advogados, com potencial para interferir no novo julgamento pelo tribunal do júri. Por isso, a defesa entendia ser necessário o julgamento da ação em outra comarca.
O ministro Ribeiro Dantas, relator do pedido de habeas corpus no STJ, explicou que, nos termos dos artigos 69 e 70 do Código de Processo Penal, a competência será, como regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.
Entretanto, em relação aos crimes de competência do tribunal do júri, o ministro observou que pode haver a alteração da competência inicialmente fixada. Como previsto pelos artigos 427 e 428 do CPP, esse deslocamento do julgamento para comarca da mesma região pode ocorrer se, entre outros casos, houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, risco à segurança pessoal do acusado ou, ainda, comprovado excesso de serviço.
Circunstâncias comuns
Na hipótese em discussão, porém, Ribeiro Dantas ressaltou que o TJMS, ao manter a competência do júri em Três Lagoas, entendeu que as notícias foram publicadas pela mídia na época do primeiro julgamento, em 2016, sendo que as matérias jornalísticas mais recentes informaram apenas sobre a prisão do réu.
Além disso, o TJMS levou em conta a avaliação do juiz de primeira instância, segundo o qual o crime aconteceu 11 anos antes, teve a gravidade comum aos casos de homicídio e não envolveu pessoas famosas – razão pela qual não haveria especial comoção social na cidade, de mais de 120 mil habitantes.
“No caso dos autos, não se faz presente a comprovação acerca do comprometimento da imparcialidade dos jurados, como defende o impetrante, não merecendo respaldo, ainda, a alegação de que o desaforamento se justifica pela veiculação de novas matérias na imprensa local”, concluiu o ministro ao não conhecer do pedido de habeas corpus.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca negou liminar pedida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional de Minas Gerais, para ingressar como assistente da defesa em ação penal ajuizada contra um advogado acusado de estelionato.
De acordo com o ministro, há no tribunal o entendimento de que a condição de advogado ostentada por uma das partes, por si só, não legitima a OAB para a assistência.
No curso da ação penal pelo suposto crime de estelionato, a OAB entrou com mandado de segurança no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) solicitando o ingresso na ação, na qualidade de assistente da defesa.
O TJMG rejeitou o pedido por considerar que a OAB não possui legitimidade para atuar como assistente de defesa, pois, no processo penal, só há a figura do assistente de acusação.
No recurso em mandado de segurança, a OAB mineira afirmou que o pedido tem amparo no parágrafo único do artigo 49 do Estatuto da Advocacia, a qual constitui norma especial em relação à regra do artigo 268 do Código de Processo Penal.
Na liminar, a entidade pedia seu cadastramento na ação penal ou a suspensão do processo até o julgamento do mérito do recurso.
Interesse jurídico
Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, não é possível conceder a liminar, pois o entendimento do TJMG está de acordo com a jurisprudência do STJ.
“Seguindo raciocínio semelhante que conjuga a falta de previsão legal para tanto com a incompatibilidade do rito, esta corte tem indeferido pedidos de ingresso da OAB em habeas corpus, seja como assistente, seja como amicus curiae“, destacou o ministro.
Ele disse que isso reforça o entendimento de que a legitimidade expressa no parágrafo único do artigo 49 do Estatuto da Advocacia deve ser interpretada em congruência com outras leis processuais, não prevalecendo unicamente em razão de sua especialidade.
Mesmo que não fosse o caso, afirmou o ministro, no âmbito civil e administrativo o STJ tem exigido a demonstração de interesse jurídico na intervenção de terceiros – o que se verifica no caso da OAB quando a demanda trata das prerrogativas de advogados ou das disposições finais do Estatuto da Advocacia, conforme interpretação do artigo 49.
Reynaldo Soares da Fonseca disse que, no caso analisado, o interesse jurídico é o fato de que o réu da ação penal é advogado, não constituindo causa para a intervenção pretendida.
O mérito do recurso em mandado de segurança será analisado pelos ministros da Quinta Turma, ainda sem data definida.
Nos crimes de homicídio culposo praticados na condução de veículo, o aumento de pena previsto no artigo 302, parágrafo 1º, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) também se aplica ao motorista que, embora dirigindo na pista destinada aos carros, acaba por invadir a calçada e atingir pedestres de forma fatal.
O entendimento foi aplicado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de recurso especial em que a defesa de uma motorista condenada por homicídio culposo alegava que a causa de aumento de pena só poderia ser aplicada se o condutor estivesse transitando pela calçada. Para a defesa, é diferente a situação em que o motorista perde o controle do veículo e invade o espaço destinado aos pedestres.
“A norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local, o que reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem a atingir o pedestre em lugar presumidamente seguro” – afirmou o relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas.
De acordo com o comando do artigo 302, parágrafo 1º, inciso II, do CTB, a pena por homicídio culposo deve ser aumentada de um terço à metade caso o agente pratique o crime em faixa de pedestres ou na calçada.
Atropelamento
No caso dos autos, a motorista conduzia o carro perto de uma praça quando, ao tentar fazer uma curva, perdeu o controle do veículo e atropelou três pessoas que estavam na parada de ônibus, causando a morte de uma delas.
A condutora foi absolvida em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença e a condenou à pena de dois anos e oito meses de prisão, em regime inicial aberto, por homicídio culposo, incluindo a majorante relativa ao crime cometido na calçada.
No STJ, a defesa da motorista alegou que a causa de aumento de pena deve estar dirigida para as situações em que o condutor transita pela calçada, pois assim ele sabe que precisa ter maior atenção com os pedestres, e não para os casos em que, dirigindo normalmente na pista, ele perde o controle do veículo e termina por atingir os transeuntes.
O ministro Ribeiro Dantas destacou que, de acordo com a doutrina especializada no tema, o aumento de pena previsto no artigo 302, parágrafo 1º, inciso II, do CTB será aplicado tanto nas situações em que o agente estiver conduzindo seu veículo pela via pública e perder o controle “como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e, em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre”.
A sexta edição do podcastAconteceu no STJ traz como destaque a eleição do presidente e do vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça para o biênio 2020-2022: ministros Humberto Martins e Jorge Mussi, respectivamente.
Na mesma sessão, o Pleno escolheu a ministra Maria Thereza de Assis Moura para o cargo de corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também foram eleitos o ministro Og Fernandes para diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e o ministro Benedito Gonçalves para diretor da Revista do STJ. Todos foram escolhidos por aclamação.
Produtividade
No balanço das atividades desenvolvidas desde o começo do trabalho remoto, em 16 de março – como medida de combate ao novo coronavírus –, o Tribunal da Cidadania manteve a prestação jurisdicional por meio de decisões individuais e sessões virtuais, atingindo, até o último dia 3, a marca de quase 99 mil decisões proferidas.
Na última semana, com o começo das sessões ordinárias por videoconferência, a Terceira Turma realizou a primeira sessão com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Denúncia
Na Corte Especial, os ministros receberam a denúncia do Ministério Público Federal contra quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia, além de outras oito pessoas – entre empresários, advogados e servidores públicos, todos investigados por suposta participação em esquema de venda de decisões judiciais relacionadas a disputas de terras.
Para ficar por dentro desses e de outros assuntos que marcaram a semana no Tribunal da Cidadania, acesse o podcast Aconteceu no STJ, disponível nas plataformas SoundCloud e Spotify.
Em oito semanas de funcionamento no regime de trabalho remoto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu 112.454 decisões. O tribunal adotou a medida em 16 de março, como forma de prevenção da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19).
Nesse período, foram realizadas 39 sessões virtuais, para julgamento dos chamados recursos internos (agravos e embargos de declaração).
Na última semana, o tribunal retomou as sessões ordinárias de julgamento por meio de videoconferência. Os prazos processuais voltaram a fluir em 4 de maio. Nesta semana, haverá sessões ordinárias por videoconferência de turmas e seções.
Números
Do total de decisões, 89.615 foram terminativas, sendo 75.759 monocráticas e 13.856 colegiadas. Houve, ainda, 22.839 decisões interlocutórias e despachos nos processos em tramitação.
As classes processuais com maior número de decisões são Agravo em Recurso Especial (38.168), Habeas Corpus (21.818) e Recurso Especial (16.684).
O ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou pedido de habeas data no qual um servidor público, com base na Lei 12.527/2001 (Lei de Acesso à Informação – LAI), pretendia que o Banco Central (Bacen) lhe fornecesse informações sobre bloqueios realizados em suas contas bancárias por meio do sistema BacenJud.
O BacenJud é o sistema que interliga a Justiça ao Bacen e às instituições bancárias, com o objetivo de agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, pela internet, permitindo a penhora on-line de valores em conta-corrente e aplicações financeiras.
Na decisão, o ministro relator concluiu que o Bacen, por ser responsável apenas pela operacionalização do sistema, não detém legitimidade para responder por pedidos de acesso às informações nessas hipóteses.
De acordo com o servidor público, foram feitos diversos bloqueios judiciais em contas de sua titularidade, razão pela qual ele solicitou ao Bacen dados sobre a origem dessas medidas, as contas pesquisadas e a destinação dos valores bloqueados.
Em resposta ao pedido, o Bacen informou que os dados solicitados não poderiam ser fornecidos, porque, entre outros motivos, a autarquia não armazenaria as informações sobre bloqueios judiciais e não teria capacidade de avaliar se os dados estão protegidos por sigilo. Segundo o banco, o interessado poderia obter as informações por meio das varas que determinaram o bloqueio ou nas instituições financeiras que controlam as contas bancárias.
Comprovação de recusa
Na ação de habeas data, o servidor alegou que é o Bacen o responsável pelas informações obtidas via sistema Bacenjud, de modo que os dados de interesse do cidadão deveriam ser fornecidos pela autarquia sempre que solicitados, conforme a Lei de Acesso à Informação.
O ministro Mauro Campbell Marques lembrou que, como previsto no artigo 105, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, compete ao STJ julgar, originariamente, os habeas data contra ato de ministro de Estado, dos comandantes das Forças Armadas ou do próprio tribunal. Segundo as regras atuais, o cargo de presidente do BC tem status de ministro.
No entanto, o relator sublinhou que, nos termos da Lei 9.507/1997, a petição inicial da ação de habeas data deve ser instruída com a comprovação de resposta negativa ao pedido de acesso aos dados ou do decurso de mais de dez dias sem decisão sobre o pedido.
O ministro destacou que o STJ firmou jurisprudência no sentido de que a impetração do habeas data pressupõe a demonstração da existência de uma pretensão resistida, consubstanciada na recusa injustificada da autoridade coatora, explícita ou implicitamente, em responder à solicitação de informações.
Resposta à petição
No caso dos autos, Mauro Campbell Marques entendeu não ter havido recusa injustificada do Bacen a se manifestar sobre o pedido, já que a autarquia respondeu aos questionamentos, ainda que de forma contrária às expectativas do peticionante.
Além disso, o ministro ressaltou que, de acordo com regulamento do sistema BacenJud, cabem ao Bacen as tarefas relativas à operacionalização e manutenção do sistema, ficando a cargo do Poder Judiciário o registro das ordens no sistema e a verificação de seu cumprimento. Por isso, o relator entendeu que o Bacen não tem legitimidade para fornecer as informações solicitadas pelo servidor.
“O reconhecimento da ilegitimidade da autoridade apontada como coatora afasta a própria competência desta Corte Superior para processar e julgar o habeas data”, concluiu o ministro.
”A mediação é fundamental, neste momento, para que possamos superar a crise. A mediação é complementar à atividade jurisdicional, assim como a conciliação. Toda vez que acontece uma crise econômica, sucede um grande aumento de demandas, pedidos de revisão de contratos, moratórias e recuperação de empresas” – declarou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, no seminário Saída de emergência – Judiciário, mediação e direito privado, promovido pela TV Consultor Jurídico (Conjur).
A live aconteceu nesta segunda-feira (11) e está disponível no YouTube. No encontro, Noronha falou sobre o papel da mediação no enfrentamento do grande número de conflitos que devem ser provocados pela pandemia do novo coronavírus.
Além do presidente do STJ, participaram do debate a professora da Universidade do Paraná Maria Cândida, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Eneas Matos e o advogado Gabriel Nogueira Dias. A mediação esteve a cargo do professor da USP Otavio Rodrigues.
Diálogo
Segundo Noronha, a mediação, desde 2005, tem sido bastante regulamentada no Brasil. Ele explicou que a mediação traz a aproximação das partes, com mais diálogo.
“Precisamos trabalhar nossos sistemas de composição do litígio. Em lugar nenhum do mundo, o Judiciário sozinho dará conta dessa quantidade de demandas. A mediação, então, pode se transformar no principal instrumento de auxílio para que possamos evitar um congestionamento ainda maior do Poder Judiciário”, observou.
De acordo com o presidente do STJ, o momento não assegura a ninguém o direito de pedir a revisão de contrato; por isso, é preciso analisar cada caso com muito cuidado.
“A saída para o Brasil é a renegociação, e será melhor se acontecer fora do Poder Judiciário. Os instrumentos de regulação não foram nem serão alterados em função da crise. Neste momento, precisamos de diálogo, e a melhor maneira de intermediar esse diálogo é a mediação”, afirmou.
Agilidade
Noronha disse ainda que o STJ está preparado para enfrentar as consequências da Covid-19. “Nós não paramos. O investimento feito anteriormente em tecnologia proporciona que, mesmo com o coronavírus, nós continuemos atuando. A Justiça continua funcionando, inclusive melhorando a sua produtividade”, destacou.
O presidente do STJ informou que, para enfrentar o crescimento da demanda – em 2019, o STJ julgou 528 mil processos –, vários instrumentos foram desenvolvidos e receberam grandes investimentos do tribunal, como o aperfeiçoamento do sistema dos recursos repetitivos e a adoção da triagem de processos.
“Com o investimento que fizemos e estamos fazendo em tecnologia da informação, investindo em softwares, conseguimos canalizar a mão de obra para os setores que mais precisavam, reduzindo o tempo de processamento das demandas e trazendo maior agilidade para o tribunal”, relatou.
Noronha também comentou a importância da força vinculante das decisões dos tribunais superiores para evitar que milhares de causas cheguem às cortes com questões jurídicas que já foram exaustivamente julgadas. “Não cabe ao STJ julgar mil vezes a mesma tese”, concluiu.
Nas hipóteses de crimes tributários contra municípios ou estados, a configuração de grave dano à coletividade – prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990 – depende da classificação do crédito, pela Fazenda Pública local, como prioritário, ou, ainda, que o crédito seja destacado como de grande devedor. Essa aferição deve levar em conta o valor total devido, incluídos os acréscimos legais.
A tese foi fixada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos. Como consequência, o colegiado afastou o agravamento da pena de um empresário de Santa Catarina pela caracterização de grave dano à sociedade. Com a redução da pena, o colegiado também decretou a prescrição da pretensão punitiva estatal.
Nos termos do artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, o grave dano à coletividade é circunstância que aumenta de um terço até a metade a pena por crime contra a ordem tributária.
Créditos indevidos
De acordo com o processo, o empresário teria escriturado documentos fiscais fraudulentos, que não correspondiam à efetiva entrada de mercadorias em seu estabelecimento. Com isso, ele teria se apropriado indevidamente de créditos de ICMS. O valor sonegado seria de cerca de R$ 200 mil – com juros e multa, o montante chegava a aproximadamente R$ 625 mil.
Em primeira instância, o juiz condenou o empresário a três anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, incluindo nesse total a elevação de um terço da pena pela configuração de grave dano à coletividade. A pena restritiva de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito, entre elas o pagamento de 50 salários mínimos – valor posteriormente reduzido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para 20 salários mínimos.
Em relação à incidência da majorante do artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, o TJSC entendeu que o valor total sonegado era suficiente para caracterizar o grave dano social.
Prioridade da Fazenda
O relator do recurso especial do empresário, ministro Nefi Cordeiro, apontou que o grave dano à coletividade exige a ponderação de situação anormal, que justifique a determinação de agravamento da sanção criminal. No caso de tributos federais, o ministro considerou razoável a adoção do patamar de R$ 1 milhão em débitos, nos termos do artigo 14 da Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – que considera essa referência para a definição de devedores cujos processos terão tratamento prioritário por parte dos procuradores.
“Esse patamar, que administrativamente já indica especial atenção a grandes devedores, é razoável para determinar a incidência de desvalor penal também especial. Claro que esse delimitador, como demonstrador do especial interesse tributário federal, será também na esfera criminal reservado como critério à sonegação de tributos da União”, afirmou o relator.
Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, Nefi Cordeiro disse que, por equivalência, o critério para caracterização do grave dano à coletividade deve ser aquele definido como prioritário pela Fazenda local.
Abaixo do limite
A Terceira Seção, acompanhando o voto do relator, definiu também que – a despeito de haver precedente em sentido contrário – o valor considerado para a aferição do grave dano à coletividade deve ser a soma dos tributos sonegados com os juros, as multas e outros acréscimos legais.
No caso dos autos, relativo à sonegação de ICMS em Santa Catarina, Nefi Cordeiro ressaltou que a legislação local não prevê prioridade de créditos, mas define como grande devedor o sujeito passivo cuja soma dos débitos seja igual ou superior a R$ 1 milhão.
“Na espécie, o valor sonegado relativo a ICMS – R$ 207.011,50 – alcança o valor de R$ 625.464,67 com multa e juros, o que não atinge o patamar diferenciado de dívida tributária acolhido pela Fazenda estadual catarinense e, assim, não se torna, tampouco, apto a caracterizar o grave dano à coletividade do artigo 12, I, da Lei 8.137/1990”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial do empresário.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão deu provimento a um recurso especial para reformar acordão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e permitir a uma mulher a reinclusão do sobrenome do pai após o sobrenome do marido.
“Excepcionalmente, desde que não haja prejuízo à plena ancestralidade nem à sociedade, é possível a inclusão do sobrenome do pai da autora, após o sobrenome de seu marido, ante a prevalência dos direitos da personalidade e da dignidade humana e da preservação da integridade e da unidade familiar, como no caso concreto”, afirmou o ministro.
Homônimos
A controvérsia teve origem em ação que pedia a reinclusão do sobrenome paterno, que a recorrente já possuía antes de se casar e que foi retirado e substituído pelo sobrenome do marido por ocasião do matrimônio.
O TJRS negou o pedido sob o argumento de que o patronímico é indicativo do tronco familiar e, na estrutura do sistema registral brasileiro, admite-se que o prenome seja mudado, mas não o nome de família, que é imutável, como estabelece o artigo 56 da Lei de Registros Públicos.
No recurso ao STJ, a autora da ação alegou que, após o casamento, seu nome se tornou muito comum, igual a muitos na sociedade brasileira, de modo que a reinclusão do sobrenome do pai, após o sobrenome do marido, evitaria dissabores com pessoas homônimas. Ressaltou que seus filhos já adotaram o sobrenome do avô materno.
Sem prejuízo
Para o ministro Salomão, a legislação não impede a reinclusão do sobrenome paterno após o sobrenome adquirido com o casamento – entendimento manifestado também no parecer do Ministério Público sobre o caso.
Segundo o ministro, precedentes do STJ já permitiram esse tipo de retificação, com o acréscimo do sobrenome materno ou paterno.
Ao dar provimento ao recurso especial, Salomão admitiu a alteração do registro para reincluir o sobrenome paterno da mulher, na forma como ela requereu na petição inicial da ação de retificação do registro civil.
“Não se vislumbra que haja prejuízo à plena ancestralidade nem à sociedade, sendo possível o acolhimento do pedido em questão”, observou.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
O mandado de segurança não é o meio adequado para reformar decisão judicial que determinou o desbloqueio de bens, por se tratar de decisão definitiva que, embora não julgue o mérito da ação, coloca fim ao incidente processual.
Esse foi o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar extinto mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) e restabelecer decisão que liberou mais de R$ 17 milhões bloqueados judicialmente para garantir o ressarcimento de vítimas do suposto esquema de pirâmide financeira conhecido como Sistema BBom. Segundo o MPSP, os valores seriam produto de crimes contra o sistema financeiro e objeto de lavagem de dinheiro.
Histórico
Em 2013, o juízo de primeira instância determinou o sequestro de valores recebidos por terceiros de uma empresa envolvida na investigação da pirâmide financeira. A decisão foi reformada em 2016, sob o fundamento de ser inadmissível que bens de terceiras pessoas sem indícios de autoria permanecessem bloqueados por mais de três anos e sem previsão de solução das investigações e da ação penal.
O MPSP pediu a reconsideração da decisão em fevereiro de 2017, o que foi negado pelo juízo, o qual considerou que não havia denúncia criminal contra os terceiros titulares das contas bloqueadas.
Em novembro de 2017, a pedido do MPSP, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu mandado de segurança para manter o bloqueio. De acordo com o tribunal, naquela altura, a denúncia – por falsidade ideológica e lavagem de dinheiro – já havia sido feita pelo Ministério Público e recebida pela Justiça.
O TJSP concluiu ainda ser cabível o uso do mandado de segurança a fim de evitar lesão de difícil reparação, pois havia o risco de perda dos valores em razão do desbloqueio.
Os donos das contas bloqueadas recorreram ao STJ, alegando que não se admite a impetração de mandado de segurança contra decisão que determina o desbloqueio de valores constritos judicialmente, ante a ausência de indícios suficientes de autoria, como estabelece a Súmula 267 do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o enunciado, não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.
Recurso próprio
Em seu voto na Sexta Turma, o relator do processo, ministro Nefi Cordeiro, lembrou que, de fato, segundo a jurisprudência do STJ, “o mandado de segurança não pode constituir-se em sucedâneo recursal, sob pena de se desnaturar a sua finalidade”.
O magistrado destacou que, para situações como a do caso em análise, havia recurso próprio previsto na legislação processual, capaz de resguardar a pretensão do Ministério Público, como previsto no artigo 593, II, do Código de Processo Penal.
“Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores, por se tratar de decisão definitiva que, apesar de não julgar o mérito da ação, coloca fim ao procedimento incidente”, concluiu o relator.
Por estar no grupo de risco da Covid-19, um cidadão iraquiano condenado por encomendar roubo de pedras preciosas teve a prisão domiciliar concedida nesta sexta-feira (8), em decisão da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Laurita Vaz.
A magistrada destacou que não se pode ignorar a intensa e crescente disseminação da Covid-19 nos presídios do Distrito Federal, onde, até quinta-feira (7), haviam sido contabilizados 466 casos da doença, entre detentos e funcionários.
Ao conceder o regime domiciliar, a ministra determinou que o condenado use tornozeleira eletrônica, compareça periodicamente ao juízo e não mantenha contato com pessoas relacionadas aos fatos investigados.
Ele foi preso preventivamente em novembro de 2018 por ser, segundo o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, o mandante de um roubo de pedras preciosas avaliadas em 300 mil dólares.
Em novembro de 2019, o réu foi condenado em primeira instância a sete anos, oito meses e 12 dias, em regime inicial fechado. A prisão preventiva foi mantida, e em março ele progrediu para o regime semiaberto, com saídas temporárias e a possibilidade de trabalhar.
Doenças graves
Pedidos de reconhecimento do direito à prisão domiciliar foram negados pelo juízo da execução penal e pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). No habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa disse que sua vida está em perigo no presídio, pois ele integra o grupo de risco da Covid-19 por ter três doenças graves: asma, estateose hepática em grau avançado e osteomelite – esta última adquirida enquanto esteve preso.
Para a defesa, a decisão do relator do habeas corpus impetrado no TJDFT, ao negar a liminar para substituir o cárcere por prisão domiciliar, foi ilegal e não considerou a Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que orienta os magistrados a reavaliarem a necessidade da prisão tendo em vista o risco do novo coronavírus.
Segundo a ministra Laurita Vaz, a situação narrada revela excepcionalidade que justifica a não aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal (STF), que impede a admissão de habeas corpus após a negativa de liminar em tribunal anterior.
Juízo de risco
“Em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, é preciso realizar o juízo de risco inerente à custódia cautelar com maior preponderância das medidas alternativas ao cárcere”, afirmou a ministra ao destacar as diretrizes da Recomendação 62 do CNJ.
Laurita Vaz mencionou que o número de casos do coronavírus em presídios do Distrito Federal cresce a cada dia e, segundo notícias veiculadas na mídia nacional, no último dia 5 representava 70% do total de ocorrências no sistema prisional de todo o Brasil.
Ela observou que, embora tenha sido condenado a pena que não é baixa, o iraquiano faz parte do grupo de risco da Covid-19 por ser portador de patologias graves. A ministra considerou que ele já progrediu para o semiaberto e que a opção pela prisão domiciliar para presos nesse regime foi expressamente referida pelo STF ao julgar pedidos relativos à pandemia.
“Por todos esses fundamentos, deve ser excepcionalmente reconhecido o direito à prisão domiciliar”, concluiu Laurita Vaz.