sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Rescisão unilateral de seguro por falta de pagamento deve ser precedida de notificação do segurado


 

Foto: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que a rescisão de contrato de seguro por falta de pagamento deve ser precedida da interpelação do segurado para sua constituição em mora, bem como deve ser observada a extensão da dívida e se ela é significativa diante das peculiaridades do caso.

O colegiado negou o recurso de uma seguradora que pretendia rescindir unilateralmente um contrato de seguro de vida firmado 18 anos antes, sob o argumento de que os pagamentos não eram feitos havia 18 meses.

O recurso teve origem em ação ajuizada por uma beneficiária para receber a indenização do seguro de vida contratado por seu marido em 1995, após a seguradora ter cancelado o contrato por falta de pagamento, sem que tenha havido a notificação prévia do consumidor.

O pedido foi acolhido nas instâncias ordinárias, e a seguradora recorreu ao STJ argumentando que não seria possível restabelecer o contrato e o pagamento do capital segurado, em razão do longo período decorrido entre o inadimplemento, em agosto de 2013, e a data da morte do segurado, em março de 2015.

Rescisão m​​itigada

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o artigo 763 do Código Civil prevê que não terá direito à indenização o segurado que estiver em mora com o pagamento do prêmio, se o sinistro ocorrer antes da sua quitação.

Contudo, o ministro lembrou que, nos contratos de seguro, deve haver constante atenção ao equilíbrio normativo e econômico da relação negocial, “mediante a observância da sua função social e da boa-fé objetiva, de modo que a rescisão contratual pelo simples inadimplemento deve ser mitigada”.

O magistrado destacou o Enuncia​do 371 da IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, o qual prevê que “a mora do segurado, sendo de escassa importância, não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva”; bem como o Enunciado 376, segundo o qual, “para efeito de aplicação do artigo 763 do Código Civil, a resolução do contrato depende de prévia interpelação”.

“Diante dessas considerações, a jurisprudência desta corte superior é pacífica em entender que o atraso no pagamento de parcela do prêmio do contrato de seguro não acarreta, por si só, a sua extinção automática, porquanto imprescindível a prévia notificação específica do segurado para a sua constituição em mora”, afirmou o relator, ao apontar que a Segunda Seção consolidou esse entendimento na Súmula 616.

Peculiaridad​​es

Bellizze ressaltou que, além da interpelação do segurado para sua constituição em mora, deverá ser observada a extensão da dívida e se esta é significativa diante das peculiaridades do caso.

Na hipótese em julgamento, o ministro verificou que o contrato de seguro esteve vigente por mais de 18 anos – período durante o qual foi devidamente pago pelo titular, que deixou de quitar as parcelas do prêmio por 18 meses, sem que tenha havido, contudo, a sua interpelação.

“Levando-se em consideração o longo período de regularidade contratual e a extensão do débito, conforme os parâmetros estabelecidos pelos precedentes desta corte superior, não se mostra plausível, na presente hipótese, a dispensa da notificação do segurado para a rescisão contratual em razão da inadimplência”, concluiu.

Leia o acórdão.

Fonte: STJ – 11/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1838830

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Tribunal cumpre meta e reduz tempo entre afetação e publicação do acórdão em recurso repetitivo


 

Foto: STJ 


​​​Idealizados como um mecanismo de resolução de demandas de massa, os recursos especiais repetitivos são tratados com prioridade no Superior Tribunal de Justiça (STJ), pois a definição do precedente qualificado orienta juízes e tribunais de segundo grau no julgamento de litígios semelhantes, reduzindo o tempo de tramitação processual e uniformizando a aplicação da lei.

Essa atenção prioritária aos repetitivos se refletiu em um importante resultado verificado nos meses de junho e julho: a redução, para menos de 365 dias, do período médio entre a afetação do caso como repetitivo e a publicação do acórdão do julgamento de mérito. Com a diminuição do tempo de tramitação, além de cumprir o disposto no artigo 1.037 do Código de Processo Civil, o STJ atingiu nesses dois meses o item 7 das Metas Nacionais aprovadas para 2020​.

“Julgar em menos de 365 dias é um aspecto positivo que pode alavancar o avanço, no STJ, da utilização de decisões qualificadas – as quais, nos termos do artigo 927 do CPC, vinculam juízes e tribunais. A aplicação de técnicas introduzidas pelo Código de Processo Civil tem permitido construir decisões igualitárias, isonômicas e que sirvam de paradigmas para decisões futuras”, afirmou o ministro Rogerio Schietti Cruz, membro da Comissão Gestora de Precedentes do STJ.

Integrada também pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino (presidente), Assusete Magalhães e Moura Ribeiro (suplente), a comissão tem o objetivo de padronizar os procedimentos para julgamento de recursos repetitivos e incidentes de assunção de competência, além de dialogar com os tribunais de segunda instância para aperfeiçoar os mecanismos de gestão dos precedentes qualificados.

Temas relevant​​es

A média de tempo decorrido entre a afetação e a publicação do acórdão de mérito, em junho e julho de 2020, foi de 296 dias e 316 dias, respectivamente. No ano passado, essa média foi de 464 dias.

No período mais recente analisado pelo tribunal, foram julgados cinco temas repetitivos. Entre eles, o Tema 1.013, no qual a Primeira Seção reconheceu a possibilidade de recebimento conjunto de salários e do benefício previdenciário pago retroativamente; e o Tema 1.014, também na Primeira Seção, por meio do qual se firmou o entendimento de que os serviços de capatazia estão incluídos na composição do valor aduaneiro e integram a base de cálculo do Imposto de Importação.

Reafirmação de ju​​risprudência

No âmbito da Terceira Seção, o ministro Rogerio Schietti lembrou que o colegiado contribuiu de forma inovadora para a melhoria dos índices de celeridade no julgamentos de repetitivos: no Tema 1.052 – que estabeleceu a necessidade de consulta a documento oficial para comprovação da menoridade –, relatado pelo próprio Schietti, foi utilizada a chamada reafirmação de jurisprudência diretamente na sessão virtual de julgamento. Com isso, a afetação e a fixação da tese repetitiva ocorreram no mesmo dia.

Segundo o ministro, a possibilidade de definição rápida da tese mediante reafirmação de jurisprudência possibilita “o julgamento do mérito imediatamente, inclusive sem a necessidade de sobrestamento de processos, o que é mais sensível em casos criminais”.

“Toda essa sistemática de precedentes qualificados favorece o trabalho do Judiciário, pois as cortes, para trabalharem melhor, devem ter menos trabalho, como disse o professor Michele Taruffo” – afirmou Schietti.

Fonte: STJ – 10/09/2020

Quarta Turma permite alteração no registro de mulher que não se identifica com o prenome Ana


 

Foto: STJ

Por não verificar risco de descontinuidade da identificação civil, além de constatar a comprovação de justo motivo e a ausência de má-fé, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) para permitir que uma mulher retire parte do seu prenome, passando de Ana Luíza para Luíza, e altere a certidão de nascimento.

A supressão do nome foi pedida pela mulher em razão de ser conhecida em seu meio social e familiar apenas por Luíza. Ela argumentou que não tem identificação com o prenome Ana, o qual lhe causa aversão e antipatia, pois foi registrado pelo pai, com quem não tem vínculo.

O pedido foi julgado procedente em primeiro grau, diante das provas de que a autora da ação é socialmente identificada apenas por Luíza. O juiz também anotou que a autora, na audiência, demonstrou abalo emocional em relação ao prenome.

Ao dar provimento ao recurso do Ministério Público, o TJDFT afirmou que o caso não se amoldaria a nenhuma das hipóteses excepcionais da Lei 6.015/1973 que permitem a alteração do prenome. A autora recorreu ao STJ.

Direito da personalidad​​​e

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que, além da previsão no artigo 16 do Código Civil, o direito ao nome está constitucionalmente garantido pelo princípio basilar da dignidade humana, fazendo parte do rol dos direitos da personalidade.

Segundo ele, em princípio, o nome – composto pelo prenome e pelos patronímicos – é imutável, em razão da necessidade de segurança jurídica nas relações civis. No entanto, o ministro comentou que essa regra não é absoluta, havendo exceções previstas na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), a qual também permite ao juiz determinar a alteração do nome, de forma excepcional e motivada (artigo 57).

O relator observou ainda que o artigo 1.109 do Código de Processo Civil de 1973 (artigo 723 no CPC de 2015), ao tratar dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, estabelece que o juiz “não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”.

“Assim, as exceções ao princípio da imutabilidade, expressamente previstas na Lei de Registros Públicos, são meramente exemplificativas, sendo possível, pela interpretação conjunta do disposto nos artigos 57 da Lei 6.015/1973 e 1.109 do CPC/1973, que o magistrado, fundamentadamente e por equidade, determine a modificação de prenome ou patronímico da parte requerente”, afirmou.

Avaliação subjeti​​va

Segundo o ministro, o fundamento adotado pelo TJDFT para negar o pedido da autora foi a constatação de que o prenome Ana seria “incapaz de expor qualquer pessoa ao ridículo ou gerar constrangimento ou situações vexatórias, sendo, inclusive, bastante comum e utilizado em nossa sociedade”.

No entanto, Antonio Carlos Ferreira lembrou que a motivação da recorrente para excluir o primeiro prenome não está ligada à plástica ou à sonoridade da palavra, nem tem relação com situação vexatória, mas decorre da falta de identificação e do sofrimento que resulta da escolha feita pelo pai. “Infere-se daí que o constrangimento pode ter causas diversas da meramente estética, e sua avaliação, indubitavelmente subjetiva, deve ser realizada sob a perspectiva do próprio titular do nome”, afirmou.

Para o relator, há justo motivo para a alteração nessas circunstâncias – em especial quando a pessoa é conhecida por nome diverso do constante em seu registro. No caso, ainda há o fato de que a exclusão se limita a parte do prenome, mantendo-se, na essência, o registro civil da recorrente, não havendo risco de descontinuidade de sua identificação.

“O Poder Judiciário, em sintonia com a evolução da sociedade e as mudanças de paradigmas, tem demonstrado a preocupação crescente com o bem-estar do cidadão em relação à sua identidade social. Assume relevância, nas decisões que dizem respeito aos direitos da personalidade, a autonomia da vontade, de como a pessoa gostaria de ser identificada no meio em que vive, seja em razão do sexo, do gênero, da aparência ou de seus dados pessoais – entre eles, o nome”, concluiu.

Fonte: STJ – 10/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1514382

MP do Trabalho não tem legitimidade para atuar no STJ como parte, decide Primeira Seção


 

Foto: STJ 

Integrante do Ministério Público da União (MPU), o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem competência constitucional para atuar perante a Justiça do Trabalho, mas não há previsão legislativa ou jurisprudencial para que atue como parte em processos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), pois essa atribuição é reservada aos membros do Ministério Público Federal (MPF) – que também integra o MPU.

O entendimento foi estabelecido pela Primeira Seção do STJ. Ao analisar um conflito de competência, o colegiado manteve decisão segundo a qual cabe à Justiça Federal julgar ação civil pública em que se discute o recolhimento da contribuição destinada ao Plano de Assistência Social (Lei 4.870/1965) por indústria do segmento sucroalcooleiro. Como consequência do julgamento do conflito de competência, os ministros anularam as decisões que haviam sido proferidas pela Justiça do Trabalho na ação.

No pedido de reconsideração do julgamento, o MPT – que propôs a ação civil pública em primeiro grau – defendeu seu direito de intervir no processo, invocando, nesse sentido, a interpretação extensiva da jurisprudência do STJ segundo a qual os Ministérios Públicos estaduais podem atuar em recursos que tramitam na corte quando forem os autores das ações originais na Justiça estadual.

Segundo o MPT, nos tribunais superiores, não é possível confundir a atuação do Ministério Público como parte da ação e como fiscal da lei (papel reservado ao MPF), entendimento que também teria sido firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

MPT e ​​​MPU

A relatora, ministra Regina Helena Costa, reconheceu que, de fato, o STF adotou a tese – com repercussão geral – de que os Ministérios Públicos estaduais podem atuar diretamente como partes nos tribunais superiores, em razão da não existência de vinculação ou subordinação entre eles e o MPU.

Entretanto, essa conclusão – como ponderou a ministra – não poderia ser estendida ao MPT, órgão vinculado ao próprio MPU, nos termos da alínea b do inciso I do artigo 128 da Constituição Federal.

“Com efeito, o Ministério Público do Trabalho integra a estrutura do Ministério Público da União, atuando perante o Tribunal Superior do Trabalho, não possuindo legitimidade para funcionar no âmbito desta Corte Superior, atribuição essa reservada aos subprocuradores-gerais da República – integrantes do quadro do Ministério Público Federal”, concluiu a relatora ao não conhecer do recurso do MPT.

Leia o acórdão.

Fonte: STJ – 10/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):CC 122940

Notificação prévia é obrigatória para validade da ação de despejo imotivada


 

Foto: STJ 

Apesar de não haver previsão legal expressa, a notificação prévia ao locatário sobre o encerramento do contrato de locação por denúncia vazia (ou imotivada) é elemento obrigatório para a validade da posterior ação de despejo. A única exceção à necessidade de notificação premonitória é o ajuizamento da ação de despejo nos 30 dias subsequentes ao término do prazo do contrato de locação.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, em razão da não comprovação de notificação prévia ao locatário, declarou extinta uma ação de despejo.

Na ação, a proprietária afirmou que não tinha mais interesse no aluguel e, diante da resistência do locatário em desocupar o imóvel, pedia que ele fosse condenado a sair.

O juiz decretou a rescisão do contrato e deu 30 dias para a desocupação voluntária do imóvel, mas o TJMG extinguiu a ação por falta de notificação do locatário.

Inter​​pretação legal

Em recurso ao STJ, a locadora alegou que não há previsão legal expressa de que a notificação prévia seja indispensável para o ajuizamento da ação de despejo. Segundo a recorrente, a notificação premonitória é suprida pela citação do réu na ação judicial, momento a partir do qual ele pode desocupar o imóvel ou, dentro do prazo legal, apresentar defesa.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que a controvérsia diz respeito à interpretação do parágrafo 2º do artigo 46 da Lei 8.245/1991. De acordo com o dispositivo, ocorrendo a prorrogação da relação locatícia, o locador poderá denunciar o contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de 30 dias para desocupação.

Segundo a ministra, a jurisprudência do STJ sobre essa questão já apontava, ainda que de forma indireta, para o caráter indispensável da notificação premonitória ao locatário, inclusive com o uso de expressões como “necessária” e “obrigatória” em tais hipóteses.

Motivos​​ sociais

A relatora também mencionou entendimentos da doutrina no sentido da necessidade da notificação prévia na denúncia vazia do contrato com prazo indeterminado.

“Como corretamente apontado pela doutrina, a necessidade de notificação premonitória, previamente ao ajuizamento da ação de despejo, encontra fundamentos em uma série de motivos práticos e sociais, e tem a finalidade precípua de reduzir os impactos negativos que necessariamente surgem com a efetivação do despejo”, afirmou a ministra, lembrando que a própria doutrina excepciona a necessidade de notificação caso a ação de despejo seja ajuizada nos 30 dias subsequentes ao fim do prazo do contrato.

Ainda de acordo com Nancy Andrighi, a moderna doutrina do direito civil tem considerado a existência de um princípio – ou subprincípio – do aviso prévio a uma sanção, baseado na boa-fé objetiva, no contraditório e na ideia de vedação da surpresa.

“Sob essa perspectiva, também é obrigatória a ocorrência da notificação premonitória considerando os aspectos negativos que a ação de despejo pode implicar sobre aquele que deve ser retirado do imóvel”, finalizou a ministra.

Leia o acórdão.

Fonte: STJ – 10/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1812465

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Relator mantém ordem de prisão contra suspeito de participar do atentado à sede do Porta dos Fundos


 

Foto: STJ

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz negou pedido de liminar para revogar a ordem de prisão temporária contra o empresário Eduardo Fauzi Richard Cerquise, investigado por tentativa de homicídio e crime de explosão.

Fauzi é apontado pela polícia como membro do grupo que arremessou coquetéis molotov contra a sede da produtora do canal Porta dos Fundos, em dezembro do ano passado, no Rio de Janeiro. O próprio Fauzi admitiu que teve alguma participação no ataque, embora negue ter jogado as bombas incendiárias.

O empresário foi detido pela Interpol na Rússia e poderá ser extraditado para o Brasil.

Constrangimen​​to ilegal

A defesa de Fauzi havia impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mas o pedido de revogação da prisão temporária determinada em primeira instância foi negado. Em novo habeas corpus submetido ao STJ, os advogados do empresário reafirmam o pedido e requerem ainda que seja suspenso o procedimento de extradição em curso.

Segundo eles, a ordem de prisão configura constrangimento ilegal, já que não haveria nenhuma informação de que o investigado tenha prejudicado a produção de provas. Por isso, sustentam que não estaria atendido o requisito da prisão temporária previsto no inciso I do artigo 1º da Lei 7.960/1989 (prisão imprescindível para as investigações). Além disso, como não teria havido crime contra a vida, não estaria atendido o inciso III do mesmo dispositivo, o qual relaciona crimes que autorizam a prisão temporária.

No pedido de liminar, a defesa também alega que Fauzi não fugiu para a Rússia, mas estava em viagem de férias, e que o procedimento de extradição, baseado em um mandado de prisão passível de ser revogado pelo STJ no julgamento de mérito do habeas corpus, poderá gerar “custos desnecessários” para o erário.

Atos gravíssim​os

O ministro Rogerio Schietti, relator do pedido, não vislumbrou o constrangimento ilegal apontado pela defesa. Segundo ele, os atos imputados a Eduardo Fauzi são “gravíssimos”, e a prisão temporária foi considerada, pelo juiz, imprescindível para o aprofundamento das investigações – situação que autoriza esse tipo de prisão, conforme a jurisprudência do STJ, ainda mais levando em conta que as apurações do atentado contra a produtora não foram concluídas.

Schietti destacou que, ao contrário das afirmações da defesa sobre a ausência de crime contra a vida, o acórdão do TJRJ, ao negar o habeas corpus anterior, apontou que as provas indicam que os autores do atentado sabiam da presença de alguém no local, “assumindo, com isso, o risco da produção do resultado morte”. Na noite do crime, um vigilante estava na sede da produtora, mas não ficou ferido.

O relator observou também que o empresário é considerado foragido da Justiça, e a alegação de que teria ido à Rússia em férias é enfraquecida pelo fato de ele ainda se encontrar em solo estrangeiro, onde foi detido pela Interpol. Quanto às considerações da defesa sobre eventual extradição, o ministro assinalou que elas não foram avaliadas no primeiro habeas corpus, e seu exame diretamente pelo STJ significaria supressão de instância – o que não é admitido no ordenamento jurídico.  

Ao negar o pedido de liminar, Rogerio Schietti determinou que o processo seja enviado ao Ministério Público Federal para parecer. O mérito do habeas corpus será analisado posteriormente pela Sexta Turma.

Fonte: STJ – 09/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 611273

Averbação de desmembramento de imóvel é pré-requisito da ação de adjudicação compulsória


 

Foto: STJ

A averbação do desmembramento de imóvel urbano devidamente aprovado pelo município é formalidade que deve anteceder qualquer registro da área desmembrada. Sem isso – ou seja, sem a existência de um imóvel com matrícula própria, passível de ser registrado –, não pode haver a procedência de ação de adjudicação compulsória da parte desmembrada do terreno.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento para rejeitar o recurso de uma empresa que sustentava a desnecessidade de averbação do desmembramento como condição para a ação de adjudicação compulsória. A decisão foi unânime.

No caso analisado, os donos de uma papelaria alegaram ter sido coagidos por um auditor fiscal a celebrar contrato de compra e venda de imóvel com uma empresa indicada por ele, como condição para se livrarem de uma cobrança tributária. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concluiu que os empresários vendedores do imóvel não foram coagidos, mas pactuaram livremente o negócio com a intenção ilegal de não pagar os impostos devidos.

Como a escritura definitiva não foi outorgada pelos vendedores, a empresa compradora ajuizou a ação de adjudicação compulsória, mas o pedido foi julgado improcedente em primeira e segunda instâncias, pois o imóvel negociado era parte de um terreno maior que não tinha parcelamento registrado em cartório.

Sentença inó​cua

Ao votar pela manutenção do acórdão do TJSP, o ministro Villas Bôas Cueva, relator, afirmou que o artigo 37 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano impede a venda de parcela de loteamento ou desmembramento não registrado – hipótese dos autos. Além disso, o Decreto-Lei 58/1937 estabelece nos artigos 15 e 16 que a sentença que julga procedente a ação de adjudicação compulsória vale como título executivo para a transcrição no cartório de registro de imóveis.

Para o ministro, se a ação pede a outorga da escritura de um imóvel que não possui matrícula própria, individualizada no registro imobiliário, “eventual sentença que substitua a declaração de vontade do promitente vendedor torna-se inócua, pois insuscetível de transcrição”.

O relator afirmou que a ação de adjudicação compulsória é peculiar, porque não se limita a condenar, dispensando a necessidade de execução posterior. Para ele, isso explica a exigência de imóvel registrável, sendo a averbação do desmembramento uma formalidade prévia indispensável para a ação.

Intervenção ind​evida

Villas Bôas Cueva destacou que o tribunal estadual foi enfático ao afirmar que a matrícula do imóvel em discussão se referia à totalidade do terreno, sem a averbação de parcelamento aprovado pela prefeitura.

O ministro disse que, ao contrário das declarações da empresa compradora, ainda que o parcelamento seja o simples desdobramento do imóvel em lotes menores, não pode ser dispensado o procedimento de averbação, pois, sem essa formalidade não há imóvel passível de registro.

“Alerta-se para as consequências nefastas que adviriam de eventual intervenção judicial para determinar, por vias transversas, a abertura de matrícula de áreas desmembradas e a titulação de domínio sobre frações não previamente definidas, frustrando as políticas públicas de parcelamento ordenado do solo urbano, com consequências urbanísticas, fiscais e sociais”, concluiu o ministro ao rejeitar o recurso.

Leia o acórdão.​

Fonte: STJ – 09/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1851104

Prazo para cobrar depósitos do FGTS é de 30 anos se ação foi proposta até 13 de novembro de 2019


 

Foto: STJ

Ao aplicar a modulação dos efeitos do Tema 608 fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em repercussão geral, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, relativamente aos contratos de trabalho em curso no momento do julgamento do STF, se o ajuizamento da ação para receber parcelas vencidas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ocorreu até 13 de novembro de 2019, o trabalhador tem direito à prescrição trintenária.

Com esse entendimento, o colegiado negou recurso no qual o Estado do Amazonas pedia a aplicação da prescrição de cinco anos na ação ajuizada por uma servidora temporária para receber verbas trabalhistas, inclusive parcelas do FGTS.

O Tribunal de Justiça do Amazonas condenou o Estado a pagar à servidora todo o período trabalhado, entre abril de 2010 e março de 2017, considerando a prescrição de 30 anos. Para o Estado, o precedente do STF não se aplicaria às demandas que envolvem pessoa jurídica de direito público, para as quais o prazo prescricional seria de cinco anos, de acordo com o artigo 1º do Decreto 20.910/1932.

Segurança juríd​​ica

A autora do voto que prevaleceu na Primeira Turma, ministra Regina Helena Costa, afirmou que a aplicação do precedente firmado no julgamento do ARE 709.212 (Tema 608 do STF) não se restringe aos litígios que envolvem pessoas jurídicas de direito privado, incidindo também em demandas que objetivam a cobrança do FGTS, independentemente da natureza jurídica da parte ré – conforme decisões dos ministros do STF e precedentes do próprio STJ.

Regina Helena Costa explicou que, no julgamento do STF, foi declarada a inconstitucionalidade das normas que previam prazo prescricional de 30 anos para ações relativas a valores não depositados no FGTS, mas houve modulação dos efeitos com o objetivo de resguardar a segurança jurídica.

Dessa forma, o STF estabeleceu o prazo de cinco anos para os casos em que o termo inicial da prescrição – ausência de depósito no FGTS – ocorreu após a data do julgamento, em 13 de novembro de 2014. Para as hipóteses com o prazo prescricional já em curso, deve ser aplicado o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial; ou cinco anos, a partir da decisão.

A ministra ressaltou que, após o julgamento do STF, o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação da Súmula 362 e definiu que, nos casos em que o prazo prescricional já estava em curso no momento do julgamento da repercussão geral, para que seja possível aplicar a prescrição trintenária, é necessário que a ação seja ajuizada dentro de cinco anos, a contar de 13 de novembro de 2014.

Modulação de e​feitos

Com base nas orientações do STF e do TST, a ministra assinalou que, na hipótese de contrato de trabalho em curso no momento do julgamento do STF, se o ajuizamento da ação objetivando o recebimento das parcelas do FGTS ocorreu até 13 de novembro de 2019, aplica-se a prescrição trintenária; caso seja proposta após essa data, aplica-se a prescrição quinquenal.

No caso em análise, a ministra verificou que – a partir da data de início do contrato de trabalho, em 23 de abril 2010 – o prazo para o ajuizamento da ação terminaria em 22 de abril de 2040 (30 anos contados do termo inicial do contrato), enquanto o fim do prazo de cinco anos, a contar do julgamento da repercussão geral, foi em 13 de novembro de 2019.

“Assim sendo, in casu, proposta a ação dentro do prazo de cinco anos a contar do julgamento da repercussão, cabível a aplicação da prescrição trintenária para o recebimento dos valores do FGTS”, concluiu.

Leia o acórdão.​

Fonte: STJ – 09/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1841538

terça-feira, 8 de setembro de 2020

STJ concede habeas corpus a mais de mil presos de SP que cumprem pena indevidamente em regime fechado


Foto: STJ 

 Diante do reiterado descumprimento da jurisprudência das cortes superiores pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para fixar o regime aberto a todas as pessoas condenadas no estado por tráfico privilegiado, com pena de um ano e oito meses.

A medida – decidida p​or unanimidade – foi adotada também em caráter preventivo, para impedir a Justiça paulista de aplicar o regime fechado a novos condenados nessas situações.​

Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, apresentados pela Defensoria Pública daquele estado, havia – em março – 1.018 homens e 82 mulheres cumprindo a pena mínima por tráfico em regime fechado, pois o TJSP – contrariando o entendimento do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) e ignorando direitos previstos em lei – não lhes autorizou o regime aberto, nem a substituição da pena.

Para o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a insistente desconsideração das diretrizes normativas derivadas das cortes superiores, por parte das demais instâncias, “produz um desgaste permanente da função jurisdicional, com anulação e/ou repetição de atos, e implica inevitável lesão financeira ao erário, bem como gera insegurança jurídica e clara ausência de isonomia na aplicação da lei aos jurisdicionados”.

Jurisprudência cons​​olidada

O ministro afirmou que é consolidada e antiga a interpretação do STF de que não é crime hediondo o tráfico de drogas na modalidade prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 – quando a quantidade de drogas apreendida não é elevada, o agente é primário, de bons antecedentes, não se dedica a delitos nem integra organização criminosa. Nessa situação, a pena pode ser reduzida em até dois terços, chegando ao mínimo legal de um ano e oito meses.

Segundo Schietti, em decorrência dessa interpretação, o STF já se pronunciou no sentido de que a natureza não hedionda do crime de tráfico privilegiado desautoriza a prisão preventiva sem a análise concreta dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal; afasta a proibição de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, prevista no artigo 44 da Lei de Drogas; e impõe tratamento penal mais benigno.

O ministro observou que, além da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, a Lei 13.964/2019 deu nova redação ao artigo 112, parágrafo 5º, da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), e dispôs que “não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/ 2006”.

No entanto, como apontou o relator, é costumeira a desconsideração pelo TJSP das Súmulas 718 e 719 do STF e da Súmula 440 do STJ, que espelham a mesma orientação jurisprudencial.

“O que se pratica, em setores da jurisdição criminal paulista, se distancia desses postulados, ao menos no que diz respeito aos processos por crime de tráfico de entorpecente na sua forma privilegiada, em que a proporcionalidade legislativa – punir com a quantidade de pena correspondente à gravidade da conduta, mas também na sua espécie e em seu regime de cumprimento – é desfeita judicialmente”, afirmou.

Dados preocu​​​pantes

Schietti lembrou que, em agosto, a Sexta Turma declarou a ilegalidade de uma decisão do TJSP em situação idêntica e pediu uma atuação mais harmônica das instâncias ordinárias em questões jurídicas pacificadas. Na ocasião, revelou-se que, dos 11.181 habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública de São Paulo no STJ em 2019, a ordem foi concedida em 6.869 (61,43% das impetrações).

Para o ministro, esses dados são a tradução “inequívoca e indesmentível” de que o volume de trabalho das turmas criminais do STJ, ocupadas em mais de 50% por habeas corpus oriundos do TJSP – dos 68.778 habeas corpus distribuídos no STJ em 2019, 35.534 vieram de lá –, “em boa parte se resume a simplesmente reverter decisões que, contrárias às súmulas e à jurisprudência das cortes superiores, continuam a grassar, crescentemente, em algumas das 16 câmaras criminas daquele tribunal”.

Em seu voto, o relator criticou o aumento exponencial do encarceramento de pessoas sob a acusação de tráfico, cujo número aumentou 508% entre 2005 e 2017 apenas no estado de São Paulo, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária.

O relator ainda destacou pesquisa do Instituto Conectas segundo a qual o estado de São Paulo é responsável por cerca de 50% das prisões por tráfico no país. O estudo concluiu que os juízes de primeira instância, em São Paulo, continuam aplicando tratamento desproporcional ao tráfico privilegiado, em comparação a outros delitos sem violência de igual pena.

Na avaliação de Schietti, isso contribui para “uma trágica realidade”: mesmo com o expresso reconhecimento de que não possuem antecedentes nem integram organização criminosa ou exercem atividade delitiva, mais de mil homens e mulheres permaneceram presos durante o processo, foram condenados à pena mínima prevista para o tráfico privilegiado – ou, quando muito, a uma pena menor que quatro anos de reclusão – e tiveram negado o direito de recorrer em liberdade. E, no julgamento da apelação, o TJSP não apenas confirmou a sentença condenatória, como também manteve o regime fechado e a proibição de substituição da pena.

Fundamentação ​​​​inidônea

O habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo foi em favor de um preso, com pedido de extensão a todos os demais nas mesmas condições. No caso individual, o réu foi denunciado por armazenar 23 pedras de crack (com peso líquido de 2,9g) e quatro saquinhos de cocaína (com peso líquido de 2,7g), supostamente para comércio ilícito. Ele foi condenado a um ano e oito meses de reclusão, no regime inicial fechado, mais multa.

O TJSP manteve o regime fechado com base na natureza das drogas, pois “quanto maior a capacidade de viciar da droga, em abstrato, maior a reprovabilidade”. Para Schietti, a fundamentação para manter o regime fechado não foi idônea, uma vez que a quantidade de drogas apreendidas não era relevante e o réu preenchia os requisitos para a caracterização do tráfico privilegiado – tanto que a pena foi fixada no mínimo legal.

Ao fixar o regime aberto em favor do paciente, o colegiado determinou a mesma providência para todos os presos que se encontrem em situação igual no estado e estejam no regime fechado, e também para todos os que forem condenados futuramente.

Em relação aos condenados por tráfico privilegiado com penas acima da mínima, mas menores que quatro anos de reclusão, os ministros determinaram que os juízes das Varas de Execução Penal reavaliem, com a máxima urgência, a situação de cada um, de modo a verificar a possibilidade de fixação do regime aberto em razão do desconto do tempo em que tenham permanecido em prisão preventiva.

Ponderação am​​pla

Na opinião do ministro Nefi Cordeiro, as situações narradas pela Defensoria Pública de São Paulo – bem precisas e delimitadas – não deixam dúvida de que é devida a incidência do regime mais brando, em razão da pena fixada. Ao acompanhar o relator, o ministro ressaltou que a “gravidade da repetição de feitos exige uma ponderação mais ampla do cabimento de medidas definidoras do direito por esta corte”.

O ministro Antonio Saldanha Palheiro disse que tem verificado a renitência de vários magistrados em seguir a letra da lei e a orientação da jurisprudência dos tribunais superiores. “Esse tipo de comportamento transborda a independência jurídica. Não é independência jurídica externar a sua opinião para o caso concreto, é simplesmente a afirmação de um posicionamento ideológico, independentemente da posição dos tribunais superiores – que têm o papel de unificar a jurisprudência para pacificar os conflitos”, declarou.​

A ministra Laurita Vaz destacou que o relator, em seu voto, fez uma análise profunda da situação para justificar a concessão do habeas corpus coletivo. Segundo ela, a concessão da ordem nessas condições deve ser delimitada por um critério objetivo, como no caso.

Para o ministro Sebastião Reis Júnior, a postura extremamente punitivista não tem sido suficiente para combater a criminalidade. “É absurda essa insistência totalmente injustificável das instâncias ordinárias em simplesmente ignorar precedentes já pacificados no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal e, sem qualquer fundamentação jurídica, insistir em teses há muito superadas”, afirmou.

Insistênc​​​ia hedionda​

Ao se manifestar durante o julgamento, o defensor público estadual Rafael Ramia Muneratti lembrou que esses casos vêm se repetindo em todo o país. “Infelizmente, diuturnamente, continuamos a nos deparar com decisões, tanto em primeiro grau quanto em segundo, de aplicação do regime fechado em razão da suposta hediondez do crime de tráfico de drogas privilegiado”, frisou. Para ele, não é viável continuar “inundando o STJ” com habeas corpus relativos a matérias já pacificadas.  

O subprocurador-geral da República Domingos Sávio da Silveira criticou a posição – frequentemente adotada no TJSP – de considerar que o tráfico privilegiado é crime hediondo. “Hedionda é essa jurisprudência, essa insistência em manter o corpo do pobre, do preto, do periférico nas masmorras do estado de São Paulo”, afirmou.​

Leia o voto do relator.

Fonte: STJ – 08/09/2020

Leia também:

Sexta Turma pede atuação mais harmônica das instâncias ordinárias em questões já pacificadas no STJ e no STF

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 596603

Embargos de terceiro não se destinam a contestar protesto contra alienação de imóvel


 

Foto: STJ

Ainda que se admita o registro de protesto contra a alienação de bens na matrícula do imóvel, para dar publicidade ao fato de que alguém pode ter direitos sobre ele, a decisão judicial que autoriza o protesto não produz, de forma concreta, efeitos positivos ou negativos sobre direitos de terceiros interessados.

Por isso, na hipótese de protesto contra a alienação de imóvel, não são cabíveis embargos de terceiro para contestar o lançamento da informação no registro imobiliário, por ausência de um de seus pressupostos básicos: a determinação judicial de apreensão do bem.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que rejeitou embargos de terceiro opostos com o objetivo de cancelar protesto contra a alienação de um imóvel. Os embargos foram apresentados por uma empresa sob a alegação de que o protesto a impedia de registrar o bem em seu nome.

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a recusa de registrar o imóvel em nome da empresa está no âmbito da atuação do oficial do cartório e não decorre da decisão judicial que deferiu o pedido de averbação do protesto na matrícula imobiliária – mero ato de publicidade “que não afeta a posse ou a propriedade de terceiro alheio ao procedimento”. Segundo a ministra, a decisão sobre o protesto não configura apreensão judicial passível de ser reformada por meio de embargos de terceiro.

O juiz de primeira instância extinguiu os embargos, sob o fundamento de ausência de interesse processual no seu ajuizamento. A sentença foi mantida pelo TJSP.

Nenhuma infl​​uência

No recurso especial, a empresa afirmou que o seu direito de posse e de propriedade sobre o imóvel estaria embaraçado pela averbação do protesto, situação que a impediria de obter o registro. Segundo a sociedade, não sendo parte no processo que originou o protesto contra a alienação do imóvel, ela teria interesse na oposição dos embargos de terceiro.

No entanto, a ministra Nancy Andrighi assinalou que o protesto, por si só, não é capaz de produzir qualquer influência sobre relações jurídicas próprias ou de terceiros – situação que se mantém no caso de protestos que buscam a ressalva em relação a determinados direitos, como no caso do protesto contra a alienação de bens.  

“Como o protesto não acrescenta nem diminui direitos do promovente ou de terceiros, a sua utilização contra a alienação de bens não terá o condão de obstar o respectivo negócio, tampouco de anulá-lo, pois apenas torna inequívocas as ressalvas do protestante em relação ao negócio, bem como que este alega – simplesmente alega – ter direitos sobre o bem ou motivos para anular eventual transação”, declarou a ministra.

Sem vantag​​em

De acordo com a relatora, o STJ entende que, no caso do protesto contra a alienação de bens imóveis, a publicação de edital pode não ser suficiente para garantir a efetiva publicidade, motivo pelo qual se estabeleceu que a averbação na matrícula do imóvel é mais eficaz.

Nancy Andrighi ressaltou que a averbação do protesto contra a alienação na matrícula do imóvel “não cumpre outro propósito senão o de dar a efetiva publicidade à manifestação de vontade do promovente, sem diminuir ou acrescentar direitos das partes interessadas, ou tampouco constituir efetivo óbice à negociação ou à escrituração da compra e venda”.

No caso dos autos, ela entendeu que os embargos de terceiro não são o procedimento adequado à satisfação da pretensão da empresa que deseja obter o registro da escritura de compra e venda.

“Por essa razão, a ocasional procedência do pedido formulado nos presentes embargos de terceiro não teria o condão de produzir nenhuma vantagem concreta, benefício moral ou econômico para a recorrente, razão pela qual é correta a conclusão do tribunal de origem pela ausência de interesse de agir, em decorrência da ausência do binômio utilidade-adequação”, concluiu a ministra.

Leia o acórdão.

Fonte: STJ – 08/09/2020

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1758858

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Professora Irene Nohara avalia impacto da jornada na interpretação dodireito administrativo



Foto: STJ



​Para a advogada e professora Irene Patrícia Nohara, os enunciados da I Jornada de Direito Administrativo terão “o potencial de provocar uma evolução na interpretação de determinadas questões” e serão de grande utilidade para os aplicadores do direito, auxiliando-os a tomar “decisões mais ponderadas e que reúnam acentuado consenso na comunidade científica”.


Promovida pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), a jornada será realizada de 3 a 7 de agosto, em formato virtual. As jornadas de direito do CEJ/CJF buscam delinear posições interpretativas sobre as normas vigentes, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais por meio do debate entre especialistas, com a produção e publicação de enunciados.  


Seis comissões de trabalho foram formadas para apreciação e seleção das propostas de enunciados, integradas por especialistas convidados pelo CJF. Irene Patrícia Nohara é uma das coordenadoras científicas da Comissão 6, responsável pelos temas controle da administração, improbidade administrativa, legislação anticorrupção, acordos de leniência, transações e consensualidade administrativa. O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), preside a comissão, que conta ainda com a participação do professor Luciano Ferraz na coordenação científica.


Irene Nohara é advogada, parecerista e autora de obras na área do direito público, com destaque para trabalhos sobre controle, improbidade, regulação, processo administrativo, gestão pública, reforma administrativa e direito administrativo sancionatório. Livre-docente em direito administrativo e doutora em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), suas atividades acadêmicas concentram-se em pesquisas realizadas para o programa de doutorado e mestrado em direito político e econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde também leciona fundamentos de direito público.


“Como sou professora pesquisadora na área de direito político e econômico, também contribuo com a interface entre essas áreas e o direito administrativo”, afirma.


A entrevista a seguir foi concedida ao CJF por e-mail:


Na sua opinião, qual a importância da Jornada de Direito administrativo no universo jurídico?


Irene Nohara – A jornada é de acentuada importância, dado que o direito administrativo é dinâmico, precisa ser seriamente discutido para haver avanços e nuances atualizadas de interpretação das mais relevantes questões enfrentadas na área. Como principal produto das jornadas, há a aprovação de enunciados que consolidam um elevado consenso entre especialistas da área e o público proponente, sendo, portanto, uma rica oportunidade a ser festejada o Conselho da Justiça Federal estender as jornadas para uma área tão controversa do direito, que é o direito administrativo. Será, sem dúvida, histórica a sua realização na área do direito administrativo.


Quais são os resultados práticos esperados desse evento?


Irene Nohara – Espera-se que sejam aprovados enunciados que auxiliem no calibramento e na interpretação de questões relevantes da área do direito administrativo. Acredito que os resultados práticos serão enunciados muito úteis, com o potencial de provocar uma evolução na interpretação de determinadas questões, auxiliando os intérpretes autorizados em decisões mais ponderadas e que reúnam acentuado consenso na comunidade científica e entre os aplicadores do direito administrativo.


Controle da administração, improbidade administrativa, legislação anticorrupção, acordos de leniência, transações e consensualidade administrativa. Em sua análise, algum desses temas merece maior destaque e discussão? Se sim, qual e por quê?


Irene Nohara – Eu e o Luciano Ferraz, sob a presidência do ministro Herman Benjamin, tivemos a honra de organizar os trabalhos de uma das áreas mais relevantes e delicadas do direito público, que é o controle. O conteúdo será submetido a votação. Então, todos os temas que gravitam em torno do controle são relevantes, dando-se destaque à improbidade administrativa, pois há muitos calibramentos e ponderações necessários e controvertidos quanto à configuração das condutas descritas na lei, no tocante à individualização da pena e, principalmente, à possibilidade de aplicação dos parâmetros da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ao direito público e seu impacto na Lei de Improbidade Administrativa. A comissão de controle recebeu o maior número de enunciados. O destaque vai merecidamente para improbidade, pois ainda é uma lei que suscita muitos debates sobre sua aplicabilidade prática, sendo ela relevante ao combate à corrupção no sentido lato da palavra, mas ainda merece ter ponderações e ajustes realizados em virtude dos princípios existentes no direito administrativo sancionatório.


É possível definir a efetividade da contribuição dos enunciados para a melhor aplicação do direito administrativo?


Irene Nohara – Sim, só dos dados percentuais de enunciados das jornadas ocorridas em outras áreas com impacto na jurisprudência, inclusive nos tribunais superiores, já é possível antever a contribuição relevante a ser dada pelos enunciados provenientes da I Jornada de Direito Administrativo. Ainda, como a jornada congrega todos os mais proeminentes estudiosos da área e os aplicadores do direito administrativo de distintas organizações – membros dos Tribunais de Contas, membros do Ministério Público, advogados e magistrados –, certamente os enunciados serão muito debatidos, divulgados e posteriormente citados, tanto em decisões judiciais e dos órgãos de controle como em notas científicas da área do direito administrativo.


Leia mais sobre o evento.


Fonte: STJ – 17/07/2020

STJ mantém decisão do TJRN que autorizou etapa virtual para revisão doplano diretor de Natal



Superior Tribunal de Justiça
Foto: STJ



​​​O ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manteve os efeitos de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) que permitiu a realização de pré-conferência virtual como uma das etapas do processo de revisão do plano diretor de Natal. Na pré-conferência, são eleitos os delegados responsáveis pela votação futura da minuta do projeto de lei sobre o plano diretor.


Ao indeferir o pedido de reversão da decisão do TJRN, apresentado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), o ministro entendeu que o caráter excepcional exigido pela Lei 8.347/1992 para a suspensão de decisão liminar – como grave lesão à saúde, à segurança ou à economia públicas – não foi demonstrado pelo MP.


A proibição da instauração da pré-conferência virtual foi inicialmente determinada em primeiro grau, mas o TJRN suspendeu a decisão por entender que não havia previsão legal para que a etapa acontecesse necessariamente na modalidade presencial. Segundo o tribunal, apesar do momento de pandemia da Covid-19, é necessário garantir a continuidade dos serviços públicos e, na verdade, a possibilidade de que as pessoas se reúnam por meios digitais amplia a participação da sociedade civil durante a pandemia, e não a restringe, como alegou o MPRN.


Dano ambien​​tal futuro


No pedido de suspensão, o MPRN defendeu que a decisão do TJRN violaria os parâmetros e as fases do plano diretor de Natal, com risco de dano ambiental futuro.


Para o MPPN, houve negativa ao direito de participação popular e desrespeito ao Estatuto da Cidade, que previu a participação da população e de associações em todos os procedimentos relativos ao plano diretor e garantiu publicidade prévia relativa aos documentos e informações produzidas.


Ainda segundo o MPRN, a proposta de revisão agride o princípio da proibição do retrocesso ecológico, ao estabelecer, entre outros pontos, a ampliação da altura máxima dos prédios e a diminuição da faixa obrigatória de recuo das construções em relação à calçada. O MP também alegou perigo de dano à paisagem costeira da capital potiguar, especialmente na região formada pelo Morro do Careca e pelas dunas próximas.


Alegações gené​​ricas


O ministro João Otávio de Noronha afirmou que o Ministério Público, em vez de demonstrar o potencial lesivo da decisão do TJRN, limitou-se ora a apresentar alegações genéricas sobre os supostos malefícios da audiência virtual, ora a apontar argumentos hipotéticos, como a possibilidade de dano ambiental futuro.


Para o ministro, apesar de a conjectura desenhada pelo MPRN ser plausível, a manifestação nos autos é incompatível com a grave lesão iminente requerida para o deferimento do pedido de suspensão.


Ao negar o pedido, João Otávio de Noronha também enfatizou que o MP “nem infirmou, sequer, a justificativa apresentada pelo julgador de origem em defesa da realização de pré-conferência na forma virtual pelo potencial aumento de participação popular por ferramentas disponibilizadas em diversas plataformas, tal como exigido pelo artigos 2º, II, 40, parágrafo 4º, e 43 do Estatuto da Cidade”.


Fonte: STJ – 17/06/2020