domingo, 8 de dezembro de 2024

Justiça e direitos humanos: os reflexos dos julgamentos da Corte IDH nas decisões do STJ


 

Justiça e direitos humanos são temas tão interligados que até se celebram em datas próximas: 8 de dezembro é o Dia da Justiça; 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 – aí a razão da data –, a justiça é citada logo na primeira frase do preâmbulo e se espalha por vários artigos do documento: nele constam garantias como o acesso aos tribunais no caso de violação de direitos, o julgamento por juiz imparcial e independente e a presunção de inocência.

Essa conexão íntima segue em outros acordos internacionais, com destaque para a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), documento elaborado com o propósito de consolidar, como define o seu preâmbulo, "um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem". Foi a convenção que instituiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).



Desde 2002, o Brasil se submete formalmente às sentenças proferidas pela corte internacional para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998 (
Decreto 4.463/2002). A partir de eventual condenação, cabe ao Estado brasileiro adotar mecanismos para cumprimento da sentença e garantia das reparações determinadas pela Corte IDH. Os efeitos dos julgamentos da Corte Interamericana, contudo, vão além: eles servem como fundamento para a resolução de processos no Judiciário brasileiro.​​​​​​​​​

Em 2022, o STJ sediou o 150º período de sessões da Corte IDH. Foram realizadas audiências públicas sobre quatro casos de supostas violações de direitos individuais e coletivos no Equador, no Peru, na Argentina e no México.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), os entendimentos da Corte IDH têm sido aplicados de duas formas: ou por cumprimento direto das suas decisões, como no caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho; ou pela adoção de fundamentos respaldados na jurisprudência do tribunal interamericano – e não apenas em processos que envolvem o Brasil, mas também em litígios de outros países –, a exemplo de precedentes do STJ sobre o direito de defesa no processo penal e os limites das diligências policiais.

Todos os julgamentos da Corte IDH relativos ao Brasil podem ser vistos no portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na área de Monitoramento e Fiscalização das Decisões do Sistema IDH. Os demais casos citados nesta reportagem trazem links para a decisão original da corte (em espanhol).

As determinações da Corte IDH no caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho

Além da competência para proferir sentenças e atender a consultas dos Estados-membros, a Corte IDH é responsável por definir medidas provisórias (semelhantes às decisões liminares) em situações consideradas de extrema gravidade e urgência, ou quando é necessário evitar danos irreparáveis às pessoas.

Em 2018, a corte emitiu decisão em medida provisória contra o Brasil para a adoção imediata de providências destinadas a proteger a vida e a integridade pessoal de todos os presos do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC), no Rio de Janeiro. A decisão teve por fundamento a situação degradante e desumana verificada no presídio, em especial a superlotação e as instalações precárias da unidade, além das notícias de sucessivas mortes na penitenciária.  

Entre as determinações da Corte IDH, estavam a proibição de ingresso de novos presos e a contagem em dobro do tempo de pena cumprido no instituto, salvo para os indivíduos condenados por crimes contra a vida, a integridade física ou a dignidade sexual – casos em que a diminuição da pena, em 50% ou menos, dependeria da avaliação do preso em perícia criminológica.

Com base na medida provisória da Corte Interamericana, a Quinta Turma do STJ, em decisão inédita de 2021, determinou a contagem em dobro de todo o período que um preso passou no IPPSC, entre julho de 2017 e maio de 2019. O Ministério Público do Rio de Janeiro alegava que a contagem em dobro só seria válida a partir da intimação do Brasil sobre a decisão da Corte IDH, em 14 de dezembro de 2018.

O relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, destacou que, ao se submeter à jurisdição da Corte IDH, o Brasil ampliou o rol de direitos das pessoas e o espaço de diálogo com a comunidade internacional, dando mais efetividade aos direitos humanos.

Imagem de capa do card   

sentença da Corte IDH produz autoridade de coisa julgada internacional, com eficácia vinculante e direta às partes. Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a cumprir a sentença.

RHC 136.961

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca


De acordo com o relator, o argumento de que a decisão da Corte IDH só teria efeitos a partir do momento em que o Estado brasileiro tomou ciência dela – o que significaria não computar em dobro parte do tempo em que o apenado esteve no presídio – resultaria em desrespeito à ordem da corte internacional, tendo em vista que as suas decisões possuem eficácia imediata e efeito vinculante.

"Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada é pela aplicação da resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018, a todo o período em que o recorrente cumpriu pena no IPPSC", concluiu o ministro (RHC 136.961).

STJ pediu apoio do CNJ para o cumprimento das determinações da Corte IDH

Em outro caso relacionado ao IPPSC, a Sexta Turma, também em 2021, indicou ao CNJ que desse apoio à Justiça do Rio de Janeiro para o atendimento das determinações da Corte IDH.

No processo analisado, o réu cumpriu pena no IPPSC por homicídios e roubo, o que tornava necessário o exame criminológico para verificação da possibilidade de contagem especial do tempo passado no instituto. O pedido de redução da pena, contudo, foi negado pelas instâncias ordinárias sob o argumento de falta de profissionais aptos a realizar a perícia.

O relator do caso, ministro Sebastião Reis Junior, comentou que a pandemia da Covid-19, naquele momento, explicava ao menos em parte a dificuldade para a realização rápida do exame. Além disso, havia relatos de que realmente faltava pessoal habilitado para a análise criminológica, a qual, segundo a medida provisória da Corte IDH, deveria ser feita por uma equipe de, no mínimo, três profissionais, não sendo suficiente o parecer de um único especialista.

Tendo em vista a necessidade de cumprir a medida e não prejudicar o apenado, a Sexta Turma determinou ao juízo das execuções penais que atuasse junto aos órgãos estaduais e até recorresse ao Sistema Único de Saúde (HC 660.332), se necessário, para assegurar a realização da perícia. O colegiado decidiu também informar ao CNJ a fim de que pudesse adotar providências para apoiar a Justiça do Rio de Janeiro no cumprimento da determinação da Corte IDH.

O caso Favela Nova Brasília e a necessidade de investigação de atos de violência

Em processo sob segredo de justiça, a Sexta Turma levou em consideração dois julgados da Corte IDH relacionados ao Brasil na análise de um pedido de reabertura de apuração sobre violência doméstica. A vítima sustentava que o inquérito foi arquivado prematuramente e sem justificativa plausível das autoridades.

O primeiro julgado citado pela relatora, ministra Laurita Vaz (aposentada), foi o caso Favela Nova Brasília vs. Brasil. Trata-se de ação que resultou na responsabilização do Estado brasileiro por uma série de violações a direitos fundamentais – como a imparcialidade nas investigações policiais e o direito à integridade pessoal – em duas diligências da polícia na Favela Nova Brasília, no Rio de Janeiro, em 1994 e 1995, as quais resultaram na morte de 26 homens e em atos de violência sexual contra três mulheres.

Imagem de capa do card   

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao proferir condenação contra o Brasil no caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, reforçou que os países signatários da convenção têm o dever de, diante da notícia de violações de direitos humanos, agir com a devida diligência para promover uma investigação séria, imparcial e efetiva do ocorrido, no âmbito das garantias do devido processo.

Processo sob segredo de justiça

Ministra Laurita Vaz


Segundo a ministra, chamou a atenção da Corte IDH o fato de que o Brasil arquivou vários inquéritos sobre o caso Nova Brasília sem que houvesse investigação prévia e diligente – quadro que, conforme o tribunal internacional, “foi decisivo para a impunidade dos fatos e a falta de proteção judicial dos familiares”.

O outro precedente citado pela relatora foi o caso Barbosa de Souza e outros vs. Brasil, relativo ao homicídio de uma jovem em 1998, em João Pessoa, no qual se discutiu a violação de direitos e garantias judiciais, além da omissão do Estado ante sua obrigação de prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher. 

Nessa decisão, apontou a ministra Laurita Vaz, a Corte IDH fez um novo alerta ao Poder Judiciário brasileiro, destacando que a ineficácia judicial em situações de violência de gênero envia uma mensagem de tolerância que favorece a perpetuação social desse fenômeno e mantém a sensação de insegurança das mulheres.

"O arcabouço normativo internacional, aliado aos apelos da Corte Interamericana quanto à necessidade de devida diligência do Estado brasileiro na investigação de violações de direitos humanos, em especial no âmbito da violência contra a mulher, demandam que se analise com maior atenção as alegações da recorrente no caso em apreço", afirmou a relatora, que cassou a decisão homologatória do arquivamento.

A Guerrilha do Araguaia e o acesso às provas do inquérito policial

Também em processo sob segredo judicial, a Sexta Turma examinou o pedido dos familiares de duas vítimas de homicídio para ter acesso às provas produzidas no inquérito policial.

Ao deferir o pedido, o ministro Rogerio Schietti Cruz mencionou a decisão da Corte IDH no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil, no qual o Estado foi condenado pelo desaparecimento de membros da Guerrilha do Araguaia (1972-1975), bem como pela falta de investigação a respeito.

De acordo com Schietti, relator do recurso em mandado de segurança, no julgamento sobre a guerrilha do Araguaia a Corte Interamericana reforçou que as vítimas de violações de direitos humanos ou seus familiares devem contar com amplas possibilidades de serem ouvidos e atuarem nos respectivos processos – tanto para buscarem o esclarecimento dos fatos e a punição dos responsáveis quanto para pleitearem a reparação dos danos.

Schietti também citou que, ao julgar o caso Favela Nova Brasília, a Corte IDH considerou que a vítima, no processo penal brasileiro, tem uma posição secundária e é tratada como mera testemunha, não tendo acesso regular às investigações.

No mesmo julgamento, o relator demonstrou preocupação com o "desapreço" do Brasil em dar cumprimento satisfatório às sentenças proferidas pela Corte IDH. Nesse cenário, o ministro elogiou a Recomendação 123/2022 do CNJ, para que o Judiciário brasileiro utilize a jurisprudência da Corte Interamericana.

Defesa tem direito de acessar os autos com tempo razoável antes do júri

No HC 865.707, a Quinta Turma aplicou precedentes da Corte IDH em caso no qual o magistrado, diante da informação de que o advogado constituído pelo réu não poderia comparecer ao júri e do pedido de adiamento apresentado pela Defensoria Pública, nomeou defensor dativo menos de 24 horas antes do início da sessão de julgamento. O réu acabou condenado a 12 anos de prisão, em regime inicial fechado.

A relatora do habeas corpus, ministra Daniela Teixeira, comentou que a Corte IDH, no caso Ruano Torres e outros vs. El Salvador, determinou aos Estados-membros a parametrização da defesa no sistema americano. Entre esses parâmetros, explicou, estão o desenvolvimento de atividade probatória mínima, a demonstração de conhecimento técnico do processo penal e o não abandono da defesa.

Tendo a Defensoria Pública considerado insuficiente o tempo para a preparação da defesa em plenário, Daniela Teixeira disse que era dever do juízo de primeiro grau remarcar a sessão plenária e respeitar o prazo mínimo de dez dias previsto pelo artigo 456, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal para que o defensor público analisasse os autos e pudesse conversar com o réu.

"Em suma, não foi oportunizado ao paciente seu defensor público natural nem tempo hábil para que a defesa técnica realizasse uma defesa diligente no caso concreto, de acordo com as regras mínimas fixadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos", concluiu a ministra ao anular a sessão do júri e determinar a realização de novo julgamento.

Período noturno é mais propício a abuso de autoridade em diligências policiais

A jurisprudência da Corte IDH sobre as diligências policiais noturnas foi discutida pela Sexta Turma em habeas corpus no qual a defesa alegava que a polícia entrou na casa do réu sem o seu consentimento e antes do amanhecer, o que se configuraria como causa de nulidade das provas obtidas na ocasião. 

O ministro Rogerio Schietti, relator, destacou que a Corte IDH, no caso Valencia Campos e outros vs. Bolívia, ressaltou que o horário noturno é o período mais propício para as violações de direitos humanos, tendo em vista a redução da circulação de pessoas e da possibilidade de socorro ou de presença de testemunhas. Essas condições, segundo o tribunal internacional, são comprovadamente propícias para a prática de abusos em operações policiais.

Ainda de acordo com a Corte IDH – declarou o ministro –, o ingresso da polícia em residências durante a noite só é admissível em situações absolutamente excepcionais, exigindo motivação concreta que justifique o fato de não ser realizado em horário diurno (processo em segredo de justiça).


Fonte: STJ

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):RHC 136961HC 660332HC 865707

STJ suspende decisão que impedia deportação de imigrantes ilegais retidos no Aeroporto de Guarulhos


 


O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, acolheu pedido da União e suspendeu a liminar do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que proibia a deportação de imigrantes ilegais retidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.

Na decisão, o ministro levou em consideração o grande número de pessoas que utilizam o Brasil apenas como corredor de passagem para outros países, a impossibilidade de manter os imigrantes aglomerados no terminal aeroportuário e os riscos sanitários e de segurança que eles podem representar.

O presidente do STJ estendeu os efeitos da decisão para proibir a concessão de eventuais liminares semelhantes à do TRF3, em ações individuais ou coletivas, que autorizem de forma indiscriminada o ingresso ou a permanência de pessoas que pedem refúgio ou asilo no Brasil.

Apesar de suspender os efeitos da liminar do TRF3, Herman Benjamin apontou que não há impedimento para que a Justiça analise os casos individuais relativos à imigração, desde que haja prova pré-constituída de vínculos da pessoa com o Brasil – especialmente nas situações de reunião familiar – e também prova de que o migrante tem a intenção de permanecer no país.

Na liminar, acolhendo pedido da Defensoria Pública da União (DPU), o TRF3 considerou que os imigrantes poderiam, a qualquer momento, ser obrigados a deixar o Brasil sem a possibilidade de solicitar refúgio ou regularizar a sua situação migratória, o que violaria a Lei 9.474/1997 (Estatuto dos Refugiados). Ainda segundo o tribunal regional, as pessoas citadas pela DPU estão há semanas no Aeroporto de Guarulhos, vivendo em condições inadequadas.

Mais de 97% dos imigrantes ilegais buscam chegar aos Estados Unidos

O ministro Herman Benjamin comentou que, segundo dados da Polícia Federal, dos 8.300 requerimentos de refúgio formulados ao Brasil entre 2023 e 2024, apenas 117 resultaram em obtenção do registro nacional migratório, e somente 262 pessoas fizeram sua inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas.

"Percebe-se que menos de 2,5% dos migrantes que entram irregularmente no país objetivam permanência e moradia no território nacional. Os outros 97,5% almejam, única e tão somente, alcançar outros destinos, valendo-se de suposto pedido de refúgio que não encontra guarida na realidade nem na ratio da lei", esclareceu o ministro.

Segundo o presidente do STJ, as autoridades policiais brasileiras já identificaram uma rede profissional de tráfico internacional de pessoas que utiliza o Aeroporto de Guarulhos como principal porta de entrada na América do Sul. Depois de conseguirem entrar no Brasil – disse o ministro –, essas pessoas são transportadas para o Acre e, de lá, iniciam uma viagem com destino à fronteira dos Estados Unidos.

"Inadmissível a utilização do nosso sistema normativo generoso para, com os olhos fechados, aceitar ou mesmo estimular o tráfico internacional de pessoas ou, indiretamente, prestigiar a atuação do crime organizado e de 'coiotes' que transformam o Brasil em entreposto para a sua atuação ilícita", declarou.

Imigrantes estão em condições precárias de conforto e higiene

De acordo com o ministro, devido à liminar do TRF3, o policiamento de fronteiras tem sido impedido de deportar os imigrantes ilegais que estão aglomerados na área restrita do Aeroporto de Guarulhos em condições precárias de conforto e higiene pessoal.

"Além disso, a permanência daqueles migrantes no local oferece sério risco à segurança pessoal e sanitária deles, dos funcionários e do próprio terminal, que está sendo usado como local de confinamento – em espaço restrito e pequeno – de cidadãos cujas condições de saúde e antecedentes, inclusive criminais, se desconhecem", enfatizou.

Ao suspender os efeitos da decisão do TRF3, o ministro destacou que o Brasil é signatário de diversos compromissos internacionais de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas. "A manutenção desses migrantes no local onde estão, ou mesmo a permissão de ingresso no Brasil, viola frontalmente todos esses acordos, daí porque nenhuma solução judicial de caráter coletivo poderá prevalecer", concluiu.

Leia a decisão na SLS 3.522.


Fonte: STJ

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):SLS 3522

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

União indenizará moradora de Florianópolis que foi perseguida pela ditadura


 A Justiça Federal condenou a União a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais a uma mulher de 74 anos, que atualmente mora em Florianópolis, por perseguição política durante a ditadura militar. Ela abandonou a universidade, perdeu o emprego de professora e viveu em exílio na Albânia, Leste Europeu, entre 1974 e 1979. A sentença é da 2ª Vara Federal da capital catarinense e foi proferida ontem (4/12).

“Muito embora a autora tenha recebido indenização pelos danos sofridos [a condição de anistiada política foi reconhecida pelo Ministério da Justiça em 2008], a Súmula nº 624 do Superior Tribunal de Justiça prevê ser possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei nº 10.559/2002 (Lei da Anistia Política), uma vez que aquela indenização pretende reparar danos econômicos, ao passo que a indenização por danos morais visa a reparar eventuais dissabores extrapatrimoniais”, afirmou a juíza Adriana Regina Barni.

A autora era militante da denominada Ação Popular, movimento de oposição à ditadura, e acadêmica do curso de Ciências Sociais da Unicamp, que deixou em 1973, período em do desaparecimento de um líder estudantil de que era amiga. Para se proteger da perseguição, ela viveu na clandestinidade e usou um nome falso, inclusive para registrar a filha com o atual companheiro, com quem casara à época, ele também anistiado e indenizado. Na Albânia, trabalhou como jornalista na seção de língua portuguesa da Rádio Tirana.

Ela ainda afirmou que, mesmo com a Lei da Anistia e o retorno ao Brasil, continuou sob vigilância. Por causa de seu trabalho no jornal Tribuna da Luta Operária, respondeu a um inquérito com base na Lei de Segurança Nacional.

Em sua defesa, a União chegou a requerer a compensação do valor pago a título de reparação econômica. A juíza entendeu que não é cabível “o desconto do valor pago administrativamente, uma vez que, conforme já explanado acima, as indenizações visam a reparar danos distintos”, concluiu. Cabe recurso.

Banco deve indenizar por compra indevida com cartão de crédito, mesmo com uso de CVV


 A Caixa Econômica Federal (CEF) deverá indenizar uma cliente de 81 anos, moradora de Florianópolis, por compras indevidas realizadas pela Internet com cartão de crédito, ainda que com número e código de segurança (CVV, sigla em inglês para Card Verification Value) corretos. A 2ª Vara Federal da Capital entendeu que a instituição emissora do cartão não demonstrou a responsabilidade da cliente e que o sistema tinha fragilidade por não exigir senha.

“Como se trata de transações online sequer é necessário o uso de senha pessoal, bastando apenas o número do cartão, o código de segurança (impresso no cartão e acessível a qualquer pessoa que o manuseie ou, ainda, por meio de fraude eletrônica) e dados pessoais do titular, o que torna essa espécie de compra insegura por natureza, porque essas informações podem ser obtidas por terceiros sem grandes dificuldades”, afirmou o juiz Alcides Vettorazzi, em sentença proferida ontem (5/12).

O juiz considerou que o sistema apresenta “notória fragilidade” e que o banco tem obrigação de “desenvolver recursos e tecnologias aptas a obstar compras fraudulentas, independentemente de qualquer ação do consumidor, especialmente quando a relação envolve pessoa idosa, hipervulnerável, como ocorre na espécie”. Vettorazzi citou precedentes do TRF4 e do STJ que reconhecem a necessidade de as instituições bancárias aumentarem as medidas de precaução.

As compras aconteceram em agosto de 2022, quando a cliente tinha 78 anos, e causaram prejuízo de cerca de R$ 6 mil. Parte do dinheiro (R$ 4,3 mil) foi restituído pela própria plataforma, mas a titular do cartão não conseguiu recuperar o restante e recorreu à via judicial. A CEF deverá pagar R$ 1.684,23 referentes às despesas indevidas e R$ 3 mil de indenização por danos morais.

“Cumpria à CEF comprovar de forma clara que as compras contestadas realmente haviam sido realizadas pela autora, juntando, por exemplo, dados de cada transação, tais como titular do cadastro que realizou a compra, endereço de entrega etc, informações que poderiam ser obtidas com os fornecedores”, concluiu o juiz. Cabe recurso.



Pensão especial para vítimas da síndrome de Talidomida pode ser cumulada com o benefício assistencial de prestação continuada


 


A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que determinou o restabelecimento do benefício assistencial de prestação continuada (BPC/Loas), pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a uma pessoa com deficiência cumulado com o benefício da pensão especial vitalícia designado às vítimas da “síndrome da Talidomida”.

Consta nos autos que a autora recebia há anos o benefício assistencial de prestação continuada destinado à pessoa com deficiência. No entanto, após obter a concessão da pensão especial vitalícia atribuída às vítimas da “síndrome da Talidomida”, o INSS suspendeu o pagamento do BPC alegando não ser possível o acúmulo dos dois benefícios.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Rui Gonçalves, destacou a alteração introduzida pela Lei n. 12.435/11 no § 4º do art. 20 da Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) que passou a permitir a cumulação do BPC/Loas com pensões especiais de natureza indenizatória.

Além disso, o magistrado ressaltou que a legislação da autarquia previdenciária também reafirmou a natureza indenizatória da pensão especial às pessoas com deficiência pela síndrome da Talidomida e admitiu a possibilidade de cumulação conforme o art. 485 da Instrução Normativa PRES/INSS n. 128/22.

Com isso, o Colegiado, por unanimidade, negou a apelação do INSS e afastou a aplicação da multa diária no valor de R$ 500,00 fixada pelo juízo de origem.

Processo: 1001089-76.2020.4.01.4300

Indevida a transferência para o Tesouro Nacional do saldo de caderneta de poupança por falta de recadastramento de correntista


 


A 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) acatou o pedido de devolução dos valores depositados em conta poupança por um correntista e determinou que o valor a ser restituído deverá ser corrigido monetariamente de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, acrescido de juros de mora em 12% ao ano. Ao julgar a ação para reaver os valores, o juiz sentenciante extinguiu o processo reconhecendo a prescrição do direito de ação do autor.

O requerente alega que havia em sua conta poupança no Banco do Estado de Goiás S/A na cidade de Silvânia/GO, hoje denominado Banco Itaú S/A, o saldo no valor de R$ 36.833,71 que foi transferido ao Tesouro Nacional ante a falta do recadastramento determinado pelas Leis 9.526/97 9.8214/99.

Segundo a relatora, juíza federal Jaqueline Conesuque Gurgel do Amaral, a prescrição deve ser afastada, haja vista a data da propositura da ação e tratando-se de um contrato de depósito, cumpria ao banco depositário guardar, conservar a coisa depositada e restituí-la “com os frutos e acrescidos quando lhe exigir o depositante ou comprovar que imposição legal o impeliu a transferir os valores depositados em seu poder à conta do Tesouro Nacional”.

Como a Constituição Federal garante o direito de propriedade, sustentou a magistrada, a Lei 9.526/97 violou os princípios constitucionais ao determinar que os saldos bancários não reclamados seriam recolhidos ao Tesouro Nacional, o que desrespeita o direito de propriedade assegurado constitucionalmente e implicaria enriquecimento ilícito da União.

Assim, indevida a transferência para o Tesouro Nacional do saldo existente na caderneta da parte autora, motivo pelo qual a União deverá restituir o valor respectivo, concluiu a relatora.

Processo: 0003520-37.2004.4.01.3500

Empresas com nomes semelhantes podem ser registradas na mesma localidade desde que possuam ramos de atuação distintos


 


A 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), de forma unânime, deu provimento à apelação de uma empresa que atua na extração de minérios e comércio de produtos químicos contra a sentença que julgou improcedente o seu pedido que objetivava a proteção do seu nome comercial mediante o arquivamento de atos constitutivos na Junta Comercial do Estado de Rondônia. O juiz sentenciante entendeu que os atos da instituição não poderiam ser arquivados porque existia outra empresa com nome semelhante já registrada na localidade.

A relatora do caso, juíza federal convocada Carina Cátia Bastos de Senna, destacou que, embora os nomes empresariais compartilhem semelhanças, os elementos adicionais e as atividades distintas tornam as empresas suficientemente diferenciáveis. A apelante atua em mineração, produtos químicos e commodities agrícolas, enquanto a outra empresa trabalha no varejo de peças automotivas e serviços de manutenção de veículos.

Essa divergência de ramos econômicos elimina o risco de confusão entre os consumidores, respeitando o princípio da especificidade. “Resta clara a impossibilidade de serem feitas quaisquer confusões entre uma empresa destinada, primordialmente, à exploração de atividade de extração e comércio de minérios e produtos químicos com outra sociedade destinada a vender, no varejo, peças e acessórios para veículos automotores, além de serviços de manutenção e reparação de automóveis, caminhões, ônibus e outros veículos pesados”, sustentou a magistrada.

Citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a relatora destacou que a proteção de nomes comerciais e marcas não exige novidade absoluta, mas deve considerar o segmento de atuação, reforçando que a especificidade impede confusão. Assim, o voto da relatora foi no sentido de determinar que a Junta Comercial do Estado de Rondônia (JUCER) proceda ao arquivamento da extensão da denominação social da autora, reformando a decisão de origem.

Processo: 0000985-76.2007.4.01.4100

Presença de enfermeiro é necessária durante todo o período de funcionamento do hospital para cuidados de maior complexidade



A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), de forma unânime, negou a apelação do Conselho Regional de Enfermagem da Bahia (Coren-BA) contra a sentença que julgou improcedente o pedido que objetivava determinar a contratação de enfermeiros para suprir a falta de profissionais em setores diversos de um hospital estadual.

O Coren-BA sustentou que “a ausência de profissionais de enfermagem suficientes, especialmente enfermeiros, coloca em risco a qualidade do atendimento prestado pelo hospital” e que “a supervisão de técnicos de enfermagem sem a presença de enfermeiros viola a Lei nº 7.498/1986”.

Segundo o relator do caso, desembargador Hercules Fajoses, a Lei nº 7.498/1986 e o Decreto nº 94.406/1987 estabelecem regras para o exercício da enfermagem e suas atividades auxiliares. Os técnicos e auxiliares de enfermagem devem ter habilitação legal, estar inscritos no Conselho Regional de Enfermagem e atuar sob orientação e supervisão de enfermeiros. “A necessidade da presença de enfermeiro durante todo o período decorre de interpretação sistemática da lei, não só em razão de suas funções como orientador e supervisor dos profissionais de enfermagem de nível médio, mas, também, em decorrência da competência privativa para os “cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas’”, disse.

O magistrado entendeu que o Coren-BA, como autarquia federal, tem legitimidade para fiscalizar e acionar judicialmente instituições que não atendam às normas, mas não pode fixar quantitativo exato de profissionais devido à ausência de previsão legal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de outros Tribunais Regionais Federais reforça a obrigatoriedade de enfermeiros em quantidade suficiente, mas ressalta que normas como as resoluções do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) possuem caráter orientador, não coercitivo. O cumprimento efetivo das exigências deve ser comprovado pelas instituições de saúde, sendo necessária a análise de cada caso concreto para avaliar a adequação ao que estabelece a legislação.

“Quanto ao pedido de necessidade de permanência de enfermeiro durante todo o período de funcionamento das instituições de saúde, observa-se que o estado apelado comprovou que mantém profissionais necessários para que possa atingir o fim pretendido pela Lei nº 7.498/1986”, concluiu.

Processo: 1077795-88.2023.4.01.3300

Ex-empregadora não é responsável por morte de engenheiro por "síndrome da classe econômica"


 Resumo:

  • Um engenheiro morreu de embolia pulmonar após uma viagem longa, e sua família processou seus dois últimos empregadores, alegando que as frequentes viagens teriam causado sua morte.
  • As instâncias anteriores da Justiça do Trabalho consideraram os dois empregadores responsáveis, mas a 1ª Turma do TST absolveu a penúltima empresa.
  • A decisão fundamentou-se no laudo do perito, que disse que a última viagem, mais longa e realizada pouco antes da morte, foi o fator determinante para o desencadeamento da doença.


3/12/2024 - A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho isentou a XL Brazil Holdings Ltda., de São Paulo (SP), da responsabilidade pela morte de um engenheiro por embolia pulmonar, desencadeada por imobilidade prolongada em viagens longas de avião - cohecida como "síndrome da classe econômica". Ele havia sido dispensado 10 meses antes, e, conforme a perícia médica, a causa do falecimento foi a última viagem aérea internacional, de longa duração, na semana anterior.

Engenheiro fazia muitas viagens a serviço

O engenheiro trabalhou para a XL de 2009 a fevereiro de 2013, como consultor sênior de prevenção de perdas. Em seguida, foi contratado pela Global Risk Consultores (Brasil) Ltda. 

A viúva ajuizou, em nome dela e de dois filhos pequenos, ação contra as duas últimas empregadoras. Segundo ela, o marido era submetido a “um regime exagerado e excessivo de viagens” para países como Costa Rica, Panamá, Colômbia, Argentina, Bolívia e Uruguai e para dezenas de cidades brasileiras. 

Segundo seu relato, em novembro de 2013, ao retornar de uma viagem por toda a América Central, com duração de 56 horas em uma semana, ele apresentou inchaço no pé esquerdo e dores nas pernas, e foi diagnosticada a trombose venosa profunda e o tromboembolismo pulmonar. Ele foi internado e morreu 36 horas depois, aos 37 anos.

Na ação, a viúva sustentou que a doença teria sido causada pelo excesso de tempo de viagens.

Perícia relacionou doença à “síndrome da classe econômica”

O juízo de primeiro grau reconheceu a responsabilidade da XL e da Global pela doença e condenou as duas empresas a pagar indenizações por danos materiais e morais. 

A perícia atestou que a quantidade de viagens e o tempo de duração contribuíram para o desenvolvimento do trombo na perna esquerda, que se deslocou e atingiu o pulmão. Segundo o laudo, a principal causa da doença é a imobilidade prolongada no avião, em razão do espaço reduzido entre as poltronas, aliada à baixa oxigenação de cabines de aeronaves, que influenciam o aparecimento da trombose venosa profunda. 

O perito ainda considerou a segunda empresa responsável pela falta de orientação para uso de meias elásticas e circulação na aeronave e, também, por não ter feito uma avaliação médica adequada. 

A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP).

Última viagem foi fator principal

No recurso ao TST, a XL argumentou que o consultor não era mais seu empregado quando faleceu e que seria juridicamente impossível responsabilizá-la pelas indenizações. 

O relator, ministro Amaury Rodrigues, destacou trechos do laudo pericial que explicam que a formação do trombo é repentina e que ele se desloca dentro do organismo tão logo é formado. O documento também registra que a última viagem teria sido o fator que culminou com a patologia. 

Diante desse quadro, o relator concluiu que a morte do engenheiro não teve relação com as viagens a serviço na empresa anterior, uma vez que o vínculo de emprego foi extinto mais de 10 meses antes. 

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-609-96.2014.5.02.0038

Empresa pública não poderá ocupar vagas do plano de cargos com terceirizados ou cedidos


 Resumo:

  • A Transportadora Brasileira Gasoduto (TBG) Bolívia-Brasil S.A., subsidiária da Petrobras, não poderá contratar sem concurso público para atividades inerentes a cargos previstos no seu Plano de Cargos e Salários (PCS). 
  • Ao manter a decisão, a 7ª Turma do TST considerou que, embora o STF considere lícita a terceirização, cargos regidos por PCS têm de ser ocupados por pessoas concursadas.
  • A empresa terá dois anos para substituir terceirizados por concursados.


5/12/2024 - A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que condenou a Transportadora Brasileira Gasoduto (TBG) Bolívia-Brasil S.A., subsidiária da Petrobras, a não contratar pessoas sem concurso público para atividades inerentes a cargos previstos no Plano de Cargos e Salários (PCS). A empresa terá dois anos para substituir terceirizados que ocupam esses cargos por candidatos aprovados em concursos públicos. Para o colegiado, não é lícita a terceirização quando os cargos se inserem no PCS de sociedades de economia mista.

Candidatos aprovados não foram convocados

O caso é uma ação civil pública em que o Ministério Público do Trabalho (MPT) alega que, no concurso de 2006, os aprovados para 29 cargos não foram convocados. Segundo o MPT, a TBG terceirizava esses serviços ou utilizava empregados cedidos por suas acionistas.

Em defesa, a empresa alegou que a cessão de empregados entre empresas do mesmo grupo econômico não tem limitações e é uma medida eficiente para o desenvolvimento de suas atividades, “reduzindo custos com o manejo do pessoal disponível dentro dos próprios quadros do grupo econômico”. Também argumentou que a terceirização não pode ser considerada ilegal, a menos que destinada a fraudar a relação de emprego.

Cargos do PCS devem ser ocupados por concursados

O juízo da 71ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro determinou que a TBG deixasse de contratar pessoal sem concurso público para seu quadro permanente de pessoal e substituísse terceirizados por candidatos aprovados. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, para quem a terceirização, nesse caso, resultou na ocupação indevida de cargos que deveriam ser preenchidos por pessoas aprovadas em concurso.

Caso não se enquadra na tese do STF sobre terceirização

O ministro Evandro Valadão, relator do recurso de revista da TBG, observou que o Supremo Tribunal Federal considera lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas (Tema 725 da repercussão geral). No entanto, a Constituição Federal estabelece que, para a investidura em cargo ou emprego público, as empresas públicas e as sociedades de economia mista se submetem ao princípio da impessoalidade e à regra do concurso público. 

Nesse contexto, o caso em julgamento se distingue da tese do STF. O ministro lembrou que, em outras decisões, o Supremo ressaltou que a controvérsia sobre terceirização na administração pública, com as suas peculiaridades e a incidência de princípios constitucionais próprios e normas especiais, não foi analisada naquele precedente de repercussão geral.

Valadão registrou ainda que a Sétima Turma, ao julgar casos semelhantes, fixou entendimento de que a administração pública pode terceirizar serviços secundários, mas não as atividades típicas e centrais de Estado, como as de segurança pública e agências reguladoras, nem as atividades inerentes a categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade.

A decisão foi unânime.

Processo: Ag-RRAg-111700-66.2007.5.01.0071

Valor de multa aplicada a construtora deverá ser revertido ao Corpo de Bombeiros de Goiás



Resumo:

  • Os valores de multa aplicados a uma construtora de Goiânia por irregularidades trabalhistas serão destinados ao Corpo de Bombeiros local, para a compra de um veículo com escada mecânica.
  • O MPT, autor da ação contra a empresa, argumentava que os valores deveriam ser revertidos para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). 
  • Mas, para a 5ª Turma do TST, é possível adotar soluções alternativas para esses recursos, como a destinação direta ao poder público.

5/12/2024 - A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que destinou o valor da multa aplicada à Goiás Construtora Ltda., de Goiânia (GO), numa ação civil pública, ao Corpo de Bombeiros do Estado de Goiás. O Ministério Público do Trabalho (MPT) pretendia que os recursos fossem para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Mas, segundo o colegiado, é possível adotar soluções alternativas para as condenações em ações civis públicas, como as destinações diretas a entidades do terceiro setor ou ao poder público.

Construtora foi condenada por irregularidades

Em maio de 2017, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) condenou a construtora a corrigir irregularidades apuradas em inquérito civil do MPT. Entre outras obrigações, a empresa tinha de registrar todos os empregados, providenciar medidas de segurança no transporte coletivo e instalar sanitários apropriados para os trabalhadores que prestavam serviço numa rodovia federal. 

Em caso de descumprimento, foi fixada multa de R$ 2 mil por cada item descumprido, e os valores seriam destinados ao Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Corpo de Bombeiro do Estado de Goiás (Funebom), para a aquisição de um veículo tipo autoescada mecânica.

No recurso ao TST, o MPT argumentou que, como fiscalizador da correta utilização dos valores decorrentes das ações ajuizadas por ele, deveria definir quem deve ser o destinatário desses valores, “sob pena de se perpetuarem distorções indesejáveis e eventuais desvios de finalidade”. 

Legislação permite soluções alternativas para destinação da condenação

Para o relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, o TRT agiu bem ao considerar as necessidades da comunidade local naquele momento. Segundo ele, a decisão está de acordo com a ordem jurídica. 

Ele ressaltou que, no âmbito trabalhista, a falta de um fundo específico para recomposição de danos coletivos acabou levando à escolha do FAT como destinatário natural desses recursos. Todavia, diante da amplitude de propósitos do FAT, como custeio e financiamentos de programas, foram pensadas soluções alternativas para a destinação dos recursos, desde que haja a indicação objetiva das finalidades e dos objetivos que serão atendidos, possibilitando o controle social do MPT.

Citando decisão do Supremo Tribunal Federal, o  relator acrescentou ainda que o juiz, nos casos concretos, tem o dever-poder de determinar a destinação que melhor atender aos direitos debatidos na causa, “sempre de modo público e fundamentado”.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-11545-63.2015.5.18.0051

Advogado pode ter honorários penhorados para pagar dívidas trabalhistas



Decisão garante limite de penhora e preservação de subsistência

  • Um advogado de Goiás conseguiu suspender o bloqueio de parte da sua conta bancária, que havia sido determinado para garantir o pagamento de valores devidos a uma assistente jurídica.
  • Seu argumento foi o de que os valores bloqueados eram honorários advocatícios recebidos em outras ações e, por isso, não podiam ser penhorados, porque eram necessários a seu sustento.
  • Para a 1ª Turma do TST, porém, é possível a penhora desse tipo de valor, desde que não ultrapasse 50% dos ganhos líquidos da parte devedora e que se destinem ao pagamento de prestações alimentícias - o que abrange as dívidas trabalhistas típicas. 


4/12/2024 - A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) autorizou a penhora de parte dos valores recebidos a título de honorários de sucumbência por um advogado de Rio Verde (GO) para garantir o pagamento da dívida trabalhista de seu escritório com uma assistente jurídica. A restrição deve respeitar o limite de 50% dos rendimentos líquidos, preservando ao menos um salário mínimo para a subsistência do devedor. 

Acordo feito na Justiça não foi cumprido

Na ação trabalhista, o advogado e a ex-empregada fizeram um acordo pelo qual ele pagaria R$ 10 mil em 13 parcelas, de setembro de 2022 a outubro de 2023. Em janeiro de 2023, porém, a assistente jurídica informou que os pagamentos deixaram de ser feitos e pediu a penhora de bens para garantir seu crédito, levando o juiz a mandar bloquear valores de contas do advogado.

Este, então, recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), alegando que o valor bloqueado dizia respeito à remuneração recebida a título de honorários advocatícios sucumbenciais (parcela devida pela parte perdedora de uma ação ao advogado da parte vencedora) e tinha natureza alimentar. Por isso, não poderia ser penhorado.

O TRT acolheu o recurso e suspendeu a penhora, por considerar que os honorários sucumbenciais são impenhoráveis, a não ser que ultrapassassem 50 salários mínimos mensais (artigo 833 do CPC). 

Créditos trabalhistas têm prioridade

O relator do recurso da trabalhadora, ministro Amaury Rodrigues, explicou que, desde o Código de Processo Civil de 2015, o TST passou a admitir a penhora de salário e proventos de aposentadoria, desde que limitada a 50% dos ganhos líquidos da parte executada, para pagamento de prestações alimentícias - o que abrange os créditos trabalhistas típicos. 

Segundo o relator, o caso não diz respeito à execução de honorários sucumbenciais mediante penhora de crédito alimentar. “Ao contrário, invoca-se a natureza alimentar dos honorários advocatícios para sustentar sua impenhorabilidade, o que contraria a jurisprudência do TST”, ressaltou, lembrando que a natureza alimentar dos créditos trabalhistas justifica sua prioridade no pagamento. 

A decisão foi unânime.

Processo: RR-0010858-77.2022.5.18.0104