O desembargador federal Roger Raupp Rios, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), negou hoje (16/4) pedido liminar da empresa Di Solle Cutelaria, de Caxias do Sul (RS), para prorrogar os prazos de pagamento de parcelamentos tributários e tributos federais em função das dificuldades econômicas provocadas pelas medidas de combate à pandemia do coronavírus (Covid-19). Segundo o desembargador, embora haja um contexto de “desastre” no país, a exclusão de responsabilidade de uma empresa poderia ter um efeito multiplicador, comprometendo a governança como um todo.
Em sua fundamentação, Raupp Rios apontou a teoria do “Direito dos Desastres”, e afirmou que não cabe ao Poder Judiciário atuar instituindo nova e pontual regulação jurídico tributária a uma pessoa jurídica num contexto de desastre biológico como o vivido pelo Brasil e pelo mundo, frisando que uma decisão isolada poderia prejudicar o coletivo. “Em uma situação de desastre, não só juridicamente, como técnica e administrativamente, os deveres de resposta não podem ser desconectados e descontextualizados, sob pena inclusive do risco de provocarem novas situações de crises, expondo a população afetada a novos riscos e aumentando ainda mais sua vulnerabilidade”, escreveu o desembargador em seu voto, citando trecho de um estudo do Departamento de Minimização de Desastres do Ministério da Integração Nacional do Brasil.
Quanto ao argumento da autora de que a cobrança de tributos nesta circunstância estaria violando o princípio constitucional de livre iniciativa, com o risco à preservação da empresa, Raupp Rios observou que os direitos da pessoa jurídica estão intrinsecamente ligados aos direitos sociais e que o dever de contribuir de cada um, corresponde a um direito dos demais. “Trata-se de uma verdadeira responsabilidade social e não mais de simples dever em face do aparato estatal”, pontuou o magistrado. O desembargador acrescentou que “numa situação de desastre causador de dificuldades econômicas sistêmicas, a tarefa da interpretação constitucional é concretizar o princípio da capacidade contributiva orientada sobremaneira pela dimensão solidária e coletiva do direito tributário”.
“Neste quadro, a aplicação de força maior como excludente de responsabilidade tributária, no contexto da pandemia, acaba inviabilizada, dado que a sociedade e o Estado, nacional e até mundialmente, estão envolvidos e afetados. Com efeito, a exclusão de responsabilidade de um, com potencial repercussão multiplicadora, afeta, em dimensão coletiva, a coordenação e a interconexão das medidas de resposta, comprometendo a governança, em especial no desafio desta desenhar e administrar a distribuição dos encargos, contexto em que, mais do que nunca, as ponderações sobre responsabilidade civil, socialização dos custos e administração da escassez se colocam”, ponderou Raupp Rios.
O advogado também requeria a aplicação da Portaria MF nº 12/2012 e da Instrução Normativa RFB nº 1.243/2012, que alteram os prazos para o cumprimento de obrigações acessórias relativas aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em situações de calamidade pública decretadas pelos estados. Neste ponto, o desembargador afirmou que a situação vivida atualmente é radicalmente nova na sociedade e no Direito brasileiro, sendo apenas comparada, no debate mundial, àquela experimentada na Segunda Guerra Mundial, devendo a situação normativa “inserir-se num quadro maior do conjunto de medidas jurídicas visando ao ‘ciclo do desastre’, não podendo ser aplicada isoladamente.
Quanto à alegação de ofensa ao princípio da isonomia com base no tratamento destinado às microempresas e às empresas de pequeno porte, o desembargador afirmou que o critério de diferenciação é constitucional e a ajuda a estas últimas promovida pelo governo federal tem objetivo social, “uma vez que elas respondem por grande parte dos empregos formais no país”.
Fonte: TRF4 – 16/04/2020