No 30º aniversário da lei, julgamentos no STF reforçam importância doECA para o país


Foto: STF




O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos nesta segunda-feira (13). Desde que entrou em vigência, a Lei 8.069/1990 vem consolidando a aplicação do texto constitucional de 1988 e representa um marco jurídico na proteção integral à tutela da infância e da adolescência no Brasil. Desde então, crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como titulares de direitos e deveres, sendo uma obrigação da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado assegurá-los, com absoluta prioridade.


O estatuto tem mais de 260 artigos que regulamentam diversos temas como o direito à vida, à saúde e à educação, a violência e os crimes contra a criança, o trabalho infantil, a guarda, a tutela e a adoção, a proibição de drogas e bebidas alcoólicas, a autorização de viagens, o acesso ao lazer e a espetáculos públicos e a imputabilidade penal, entre outros. A legislação também protege os menores de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.


Desafios


Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, o ECA trouxe muitos avanços na implementação de políticas públicas voltadas para a infância e juventude. “Avançamos na conscientização e no engajamento de vários setores da sociedade em iniciativas em prol de crianças e adolescentes em situação de risco e de vulnerabilidade socioeconômica. Todavia, ainda há muitos desafios a serem superados para a plena concretização dos direitos assegurados a eles em nossa ordem constitucional”, assinala.


Segundo Dias Toffoli, muitas crianças e adolescentes ainda são diariamente vítimas de violência. Dados divulgados no Painel Justiça em Números, disponível no site do Conselho Nacional de Justiça CNJ), revelam que, somente em 2019, ingressaram no Poder Judiciário mais de 78 mil novos processos relativos a crimes de violência cometidos contra esses grupos. “A superação desse grave quadro impõe a articulação e o alinhamento das ações de enfrentamento desenvolvidas por diversos órgãos do Estado, bem como o engajamento da família e da sociedade civil”, salienta.


Nessas três décadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou diversos casos em que houve manifesta provocação aos princípios definidos pela lei. Foram aproximadamente 2.760 decisões monocráticas e 450 acórdãos relacionados ao tema na Corte. Apenas dois artigos do ECA foram formalmente considerados parcialmente inconstitucionais no período. Confira abaixo alguns dos julgados mais relevantes.


Ensino infantil


Em 2018, o Tribunal decidiu, na conclusão do julgamento conjunto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292, que é válida a data limite para aferição de idade para ingresso na educação infantil e fundamental. Os processos, sob as relatorias dos ministros Edson Fachin, em que prevaleceu o voto divergente do ministro Luís Roberto Barroso, e Luiz Fux, respectivamente, considerou o dia 31 de março como data limítrofe para que estejam completas as idades mínimas de quatro e seis anos para ingresso, respectivamente, na educação infantil e no ensino fundamental.


Ensino domiciliar


Em 2018, a pretensão de reconhecimento da possibilidade de ensino domiciliar (ministrado pela própria família, fora do ambiente escolar), sob a relatoria do ministro Barroso, foi afastada. Segundo a fundamentação adotada pela maioria dos ministros, nos termos do voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 888815, com repercussão geral reconhecida (Tema 822), não existe legislação nem amparo do ECA que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.


Recolhimento


Em 2019, o Plenário julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3446, movida contra normas do ECA que vedam o recolhimento, pelo Estado, de crianças e adolescentes em situação de rua. O Plenário seguiu, por unanimidade, o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, de que a exclusão das normas questionadas poderia resultar em violações a direitos humanos e fundamentais.


Trabalho artístico


No julgamento da ADI 5326, em 2018, o Plenário referendou liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio para suspender a eficácia de normas conjuntas de órgãos do Judiciário e do Ministério Público nos Estados de São Paulo e de Mato Grosso. As regras atacadas dispunham sobre a competência da Justiça do Trabalho para conceder autorização de trabalho artístico para crianças e adolescentes. Para a maioria dos ministros, a matéria é de competência da Justiça comum.


Pornografia infantil


O ECA define que é crime disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente. Com base nisso, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 628624), com repercussão geral reconhecida (Tema 393), ocorrido em 2015, o Tribunal entendeu que as condutas são crimes que o Brasil, por meio de tratado internacional, se comprometeu a reprimir. Seguindo a corrente divergente aberta pelo ministro Edson Fachin, em contraponto ao entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, a maioria decidiu que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes relacionados a pornografia infantil por meio da rede mundial de computadores.


Licença-maternidade


No julgamento da ADI 6327 em sessão virtual este ano, o Plenário se fundamentou no ECA para determinar que, em caso de internação prolongada, a licença-maternidade comece a computar o período de 120 dias a partir da data da alta da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último. A decisão seguiu entendimento do relator, ministro Edson Fachin, de que essa interpretação seria uma forma de suprir a omissão legislativa, uma vez que não há previsão legal para extensão da licença nas internações mais longas, especialmente nos casos de crianças nascidas prematuramente (antes de 37 semanas de gestação). A decisão também possibilitou, nesses casos, a ampliação do pagamento de salário-maternidade.


Marco Legal da Primeira Infância


O Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal para prever a substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante, mulher com filho de até 12 anos ou homem que seja o único responsável pelo filho de até 12 anos. Seguindo o disposto nessa lei e observando os princípios do ECA para o melhor interesse da criança, a Segunda Turma do STF concedeu prisão domiciliar, em 2016, no Habeas Corpus (HC) 134069, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, para uma mãe condenada por tráfico de drogas em São Paulo que estava presa preventivamente. A decisão serviu de parâmetro para julgamentos de outros processos semelhantes.


Internação em unidade socioeducativa


Em 2014, no julgamento do HC 122886, a Primeira Turma do STF reconheceu que a condenação de menores de idade à pena de internação apenas em razão da gravidade abstrata do crime contraria o ECA. Na ação, foi questionada sentença da Justiça paulista em que dois adolescentes, detidos com cerca de 170g de maconha, foram condenados ao cumprimento de medida socioeducativa de internação, por prática de ato infracional análogo ao tráfico de drogas. A pena foi imposta unicamente em razão da gravidade do ato praticado. Segundo o relator do HC, ministro Luís Roberto Barroso, a medida ofendeu a garantia da excepcionalidade da aplicação de qualquer medida restritiva de liberdade, determinada pela Constituição Federal.


Convivência familiar


Em 2010, a Segunda Turma do STF concedeu parcialmente o HC 98518 para permitir que um adolescente que cumpria medida socioeducativa pudesse realizar atividades externas e fazer visitas à família sem a imposição de qualquer condição pelo Juízo da Vara da Infância e da Juventude. Os ministros consideraram que o artigo 120 do ECA garante esse direito, independentemente de autorização judicial. Além disso, observaram que o artigo 227 da Constituição Federal explicita o dever do Estado de assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar.


Tortura


Já no julgamento do HC 70389, em 1994, o Plenário do STF entendeu que dois policiais militares acusados de torturar adolescentes deveriam ser julgados pela Justiça Estadual de São Paulo, e não pela Justiça Militar. No entendimento dos ministros, a norma do artigo 233 do ECA, que tipifica crime de tortura contra crianças e adolescentes, configura legislação especial e se sobrepõe ao Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969).


Inconstitucionalidade


No julgamento da ADI 869, em 1999, a Corte invalidou parte do dispositivo do ECA que estabelecia até dois dias de suspensão da programação ou do periódico a órgão de imprensa ou emissora de televisão que divulgasse, sem autorização, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional. Naquela ocasião, por unanimidade, o Plenário seguiu o voto do relator, ministro Ilmar Galvão (aposentado), e considerou que essa parte da lei contrariava o preceito constitucional da liberdade de expressão.


Em 2016, o STF declarou a inconstitucionalidade de parte do dispositivo do ECA que estabelecia multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV por exibição de programas em horário diverso do autorizado pela classificação indicativa. O tema foi analisado na ADI 2404, sob relatoria do ministro Dias Toffoli. Foi reconhecida a nulidade da expressão “em horário diverso do autorizado”, contida no artigo 254 da Lei 8.069/1990, e afastada qualquer sentido ou interpretação que condicione a veiculação de espetáculos públicos por radiodifusão ao juízo censório da administração, admitindo apenas, como juízo indicativo, a classificação de programas para exibição nos horários recomendados ao público infantil.


Publicações


Em consonância com o ECA, o Supremo elaborou a Cartilha do Poder Judiciário, que apresenta às crianças informações básicas sobre o funcionamento da Justiça, com linguagem adequada à faixa etária. A publicação está disponível no site do Tribunal, na aba STF Mirim. Para o público infantojuvenil, o STF lançou o vídeo “Conhecendo o Poder Judiciário” e editou, em parceria com a Editora Maurício de Sousa, o gibi “Turma da Mônica e o Supremo Tribunal Federal”. O objetivo é difundir o papel, a estrutura e o funcionamento da Corte junto a essa parcela da população.


PS, RP/AS//CF





Fonte: STF – 13/07/2020


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