Sentença do Juizado Sul condena Transmissora de Energia a indenizar consumidora por danos morais decorrentes do Apagão

A 6ª Vara do Juizado Especial Cível Sul (Comarca de Macapá), que tem como titular o juiz Naif José Maués Naif Daibes, condenou a empresa Linhas de Macapá Transmissora de Energia S/A a pagar indenização de R$ 3.000,00 por danos morais a uma Servidora Pública de Macapá, referente a processo motivado pelo Apagão de Energia ocorrido em novembro de 2020.

Segundo os autos, a Ação por Danos Morais nº 0037263-10.2020.8.03.0001, a autora pedia inicialmente pagamento de danos morais no valor de R$ 40 mil, mais uma multa de R$ 5 mil por dia para cada dia que as empresas rés não restabelecessem o fornecimento de energia ou em caso de interrupção de energia que não fosse por débito atual.

Na sentença, o magistrado esclarece que os pedidos de tutela para restabelecimento e de interrupção apenas em hipótese de débito já estavam prejudicados quando o processo foi recebido por aquele juízo devido ao anterior ter se julgado incompetente.

Quanto a preliminares da Companhia Elétrica do Amapá (CEA) de que a Justiça Estadual seria incompetente para julgar o feito, o magistrado deixou claro nos autos que a tese era descabida. “O simples fato de a União ser competente para explorar os serviços e instalações de energia elétrica (…) não basta para atrair o interesse do ente federal na causa”, afirma a sentença, argumentando que uma vez “outorgada a concessão à empresa vitoriosa do certame licitatório, à União ou ao órgão de sua administração direta, a exemplo da Aneel, é reservado papel meramente fiscalizatório (…) porque a partir da concessão estabelece-se uma relação direta entre o prestador do serviço e o usuário final (…)”.

O magistrado diz ainda, em sua sentença, que “reconhecer, nesse contexto, a competência da Justiça Federal traduz verdadeira negligência e incompreensão quanto à competência constitucional deste órgão jurisdicional”, ressalvando que a Justiça Federal deve ser provocada apenas quando demonstrado o interesse da União. Ainda assim, buscadas, tanto a União quanto a Aneel responderam negativamente quanto ao interesse.

Apesar de a Medida Provisória nº 1.010/2020, assim como a Lei nº 14.1462021 na qual se converteu, terem isentado os consumidores dos 13 municípios afetados pelo “apagão”, a compensação prevista não impediu a pessoa afetada de buscar reparação complementar.

“(…) a depender do consumo que fizeram no mês anterior ao apagão a isenção teve impacto mínimo na realidade social das pessoas ou, quando muito, representou compensação parcial e diminuta”, diz a sentença. No caso da autora, por exemplo, a vantagem obtida foi de apenas R$ 186,94.

O magistrado também descartou, no teor dos autos, a possibilidade de suspender o trâmite da ação individual enquanto não fosse julgada a Ação Popular nº 1008292-03.2020.4.01.3100, movida pelo senador da República Randolfe Rodrigues, que postula tanto a apuração dos fatos quanto a reparação dos danos. Embora a tese defensiva fizesse referência ao precedente repetitivo firmado no âmbito do Recurso Especial nº 1.110.549/RS, o magistrado expressa na decisão que tal processo “limitou-se a reconhecer a possibilidade e não a obrigatoriedade de o juiz suspender as ações individuais enquanto pendente de julgamento a de caráter multitudinário”.

No mérito propriamente dito, o magistrado ressalta que é fato público e notório, inclusive em âmbito nacional, que o “apagão” foi causado por incêndio em um dos transformadores da subestação sob responsabilidade da LMTE. Relegando a segundo plano as causas do citado incêndio, seja por queda de raio ou defeito de componente interno, o juiz Naif evidencia em sua decisão que qualquer que tenha sido a causa, o ocorrido “se ajusta à hipótese de fortuito interno e não força maior”, uma vez que as chuvas e raios são previsíveis na região amazônica e que uma manutenção preventiva constante e recursos como para raios e brigadas de incêndio poderiam sanar ou minimizar a situação.

A sentença isenta a ré CEA de responsabilidade, uma vez que sua atribuição é a distribuição de energia que não chegou a receber da corré, independente de a LMTE não ter relação direta com o consumidor final.

Quanto à precariedade da estrutura de energia do Amapá, por não possuir um sistema de redundância no fornecimento que limitaria o apagão a algumas horas, o magistrado observa nos autos que a situação era conhecida pela ré, “e não a desmotivou a concorrer à licitação do serviço, de forma que se aceitou explorá-lo foi por antever a potencialidade econômica do negócio e avaliou a margem favorável de lucro mesmo ciente dos riscos”.

Em relação ao dano moral propriamente dito, a sentença é explícita no sentido de considerá-lo evidente. O magistrado relata que antes do início do rodízio, a interrupção durou vários dias, transpondo o mero aborrecimento. “(…) ao longo de dias inteiros sem energia, pessoas ficaram impossibilitadas de realizar a higiene adequada porque a falta de luz impediu o reabastecimento de suas caixas d’água, forçando muitos à humilhação de se banharem em córregos e rios”, diz o texto.

“Tudo isso em plena pandemia da covid-19, em que a higiene adequada das mãos sobressai como a principal medida sanitária”, acrescenta em seguida a sentença.

O magistrado contextualiza na sentença uma série de outros problemas ocasionados pelo apagão, como o perecimento de alimentos sem conservação adequada, a impossibilidade de contar com ajuda de amigos e familiares igualmente afetados, filas intermináveis em postos de combustível e o retrocesso social de pessoas tentando deixar o estado via aeroporto frente à calamidade pública.

Reconhecido o dano moral, o juízo estabeleceu o valor em R$ 3.000,00, “valor que não enriquecerá a autora e servirá para compensá-la e punir a ré LMTE”.

“Se confirmada a tendência por condenação, deve-se ter a cautela de da indenização a ser paga não servir de elemento que comprometa a continuidade do serviço (…)”, considera a sentença, acrescentando mais adiante que “patamar estratosférico estimula demandismo puro e simples (…)”.

Condenando a ré sem custas ou honorários, por ausência de má fé, o magistrado estabeleceu prazo de 15 dias para cumprimento, sob pena de aumento em 10% a título de multa.

Fonte: TJAP

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