Um aplicativo de transporte de passageiros foi condenado por cancelar o cadastro de um motorista usuário da plataforma e que era visto como bem avaliado pelos passageiros. Conforme a sentença proferida no 9º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís, o aplicativo 99 Táxis Desenvolvimento de Softwares Ltda não apresentou provas de que o motorista teria violado as regras dos termos de uso e que não seria possível a reativação cadastral do autor. Na ação, a parte autora pediu pelo recadastramento junto à plataforma, bem como recebimento de lucros cessantes e danos morais.
Alega o autor que era motorista regular da empresa quando, no mês de setembro de 2020, em pleno exercício do trabalho, foi surpreendido com o bloqueio de seu acesso, com a informação de que o bloqueio se deu por não cumprir os termos do contrato. O motorista afirmou que a empresa não apresentou os fatos que ensejaram o bloqueio, apenas informando que seu cadastro foi bloqueado em virtude de violação aos termos de uso, não sendo possível a reativação, sem especificar que violação se tratava. Prossegue narrando que não recebeu nenhum comunicado prévio acerca da situação, e que não houve esclarecimento sobre quais normas de conduta teriam sido violadas, frisando que possuía boa avaliação e que o bloqueio do cadastro causou prejuízos à sua subsistência e de sua família.
Em audiência, o autor informou que seu perfil foi desbloqueado no dia 8 de novembro de 2020, sem qualquer explicação dos motivos do bloqueio. A empresa, em contestação, alega que agiu no exercício regular do direito, pois a desativação do cadastro do motorista foi ocasionada pelo descumprimento das regras e políticas da plataforma, de modo que eventuais prejuízos foram ocasionados por culpa exclusiva do autor. Por fim, pediu pela improcedência da ação. “Não há que se aplicar neste caso o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o autor não seria o consumidor final do aplicativo, mas um prestador de serviço que utiliza a plataforma do requerido para auferir renda, não se enquadrando no conceito de consumidor (…) Portanto, não deve ser aplicado às normas do CDC, mas tão somente do Código Civil”, analisa a sentença.
“Passando ao núcleo da questão, a controvérsia reside em reconhecer a procedência ou não dos alegados lucros cessantes e danos morais sofridos pelo demandante (…) Nesse passo, verifica-se que, no intuito de corroborar suas alegações, o autor juntou ao processo alguns prints de telas do aplicativo (…) O requerido, por sua vez, acostou aos autos em sua contestação apenas telas de sistemas com o bloqueio do acesso do autor, bem como extrato das inúmeras avaliações positivas que possuía, trecho do regulamento da empresa contendo rol de condutas proibidas (…) Analisando cuidadosamente a documentação anexada, bem com as informações prestadas pelas partes, constata-se que o autor possui razão em suas argumentações, ao menos em parte”, observa.
SEM DEFESA PRÉVIA
A Justiça ressalta que os documentos anexados ao processo permitem constatar com clareza que a empresa não oportunizou ao autor nenhuma forma de defesa prévia antes do bloqueio de seu acesso, tampouco o avisou sobre tal possibilidade pela existência de algum tipo de reclamação. “Em nenhum momento a requerida apresentou reclamações dos usuários que permitisse aferir a insatisfação pelo serviço do autor (…) Pelo contrário, pelas telas de sistemas juntadas as avaliações feitas pelos usuários nos são conta que o autor era bem avaliado pelos clientes, possuindo uma avaliação positiva com nota de 4,93, em uma escala de 1 a 5 (…) Diante disso, denota-se que se havia algum tipo de reclamação do autor, elas não chegavam a 7% dos mais de mil passageiros já atendidos por ele, o que contrasta com os argumentos da requerida de que o autor teria violado os termos de uso pelos inúmeros cancelamentos e reclamações”, explica.
Para o Judiciário, bastaria que a empresa trouxesse as reclamações dos clientes e informasse o limite dos cancelamentos aceitáveis pela plataforma para que se pudesse analisar se o autor teria de fato contrariado as normas aceitas por ele quando do seu cadastro na plataforma da requerida. “Com isso, o cancelamento/desativação de sua conta junto à plataforma pode ser considerado como um ato ilícito, pois na realidade a empresa agiu com o fim de causar danos ao autor, já que não permitiu a ampla defesa e contraditório e nem deu oportunidade para que ele corrigisse possíveis infrações ao contrato ajustado com a plataforma”, destaca.
“A responsabilidade civil pressupõe a existência de um dano proveniente de um ato ilícito, que resta devidamente comprovado nos autos, pois o bloqueio indevido, quando o autor estava em pleno exercício de suas atividades laborativas, sem nenhuma explicação plausível, impedindo de continuar auferindo renda, com certeza, abalaram a moral, honra e psicológico da autora, excedendo a esfera do mero aborrecimento (…) Por outro lado, quanto ao pedido de lucros cessantes, tem-se que no caso dos autos, os valores demonstrados no extrato de recebimento de valores se trata de expectativa de ganhos, que não serve para demonstrar efetivamente o que o autor deixou de ganhar pelo bloqueio do seu acesso ao aplicativo de viagens, e, por isso, não deve prosperar”, finaliza a sentença, ao julgar parcialmente procedentes os pedidos, no sentido de que a demandada reative o perfil do autor, bem como proceda ao pagamento de indenização.
Fonte: TJMA