O juiz Jessé Cláudio Franco de Alencar, titular da 22ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, afastou o vínculo de emprego pretendido por um motorista com uma plataforma de aplicativo de transporte. Na conclusão do magistrado, a prestação de serviços, que se deu de março a agosto de 2019, não contou com a presença dos requisitos da relação de emprego, principalmente a subordinação jurídica, traço distintivo essencial entre o trabalhador empregado e o autônomo. Nesse cenário, foram rejeitados os pedidos de recebimento de direitos trabalhistas relacionados ao vínculo de emprego, que incluíam verbas salariais e rescisórias.
Ao se defender na ação, a empresa afirmou tratar-se de empresa de tecnologia que disponibiliza aos seus usuários ferramenta de solicitações de viagens, as quais são compartilhadas com motoristas parceiros, que se cadastram na plataforma com o objetivo de maximizar os seus ganhos e, assim, prospectar os seus empreendimentos individuais. Por esse motivo, segundo a empresa, a relação ocorrida entre as partes não se revestiria de caráter empregatício.
Na sentença, o juiz ressaltou que, para que se configure a relação de emprego, é necessário o preenchimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam: trabalho prestado por pessoa física a um tomador, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. Frisou que a ausência de um desses requisitos impossibilita o reconhecimento do vínculo empregatício.
Liberdade e autonomia na execução das atividades – Na análise do magistrado, as provas produzidas no processo, sobretudo o depoimento do autor, permitiram concluir que, como motorista de aplicativo, ele possuía liberdade para não trabalhar ou trabalhar no dia e horário que lhe fossem convenientes, usufruindo de autonomia na execução de suas atividades. O autor declarou que cabia a ele decidir que dia ligar o aplicativo e que poderia “(…) recusar até três viagens por dia (…)” e cancelar viagens. O fato de a jornada de trabalho ser definida pelo motorista profissional também foi relatado por testemunha ouvida no processo.
Ficou comprovado, ainda, que o trabalhador utilizava veículo próprio na prestação de serviço e arcava com os gastos ordinários de combustível, manutenção, limpeza, seguro, o que pôde ser extraído da própria narrativa constante da petição inicial. Trata-se de circunstâncias que, de acordo com o juiz, caracterizam a condição de profissional autônomo.
“É certo que a ré – plataforma de serviços digitais que estabelece uma intermediação, por meio de aplicativo de celular, entre os passageiros e os motoristas interessados em fornecer transporte, cobrando deste um percentual pelos negócios realizados – exigia o cumprimento de determinados requisitos e fixava tabela de preços. Todavia, isso não é suficiente para configurar a subordinação jurídica clássica, típica da relação de emprego”, destacou o julgador.
Sanções por descumprimentos de regras contratuais e avaliações de clientes X Subordinação inerente à relação de emprego – Na visão do magistrado, eventuais sanções – como o desligamento temporário ou definitivo da plataforma – por descumprimento de regras contratuais não são exclusividade da relação de emprego, podendo ser fixadas em quaisquer tipos de contratos, “em especial aqueles de trato sucessivo”.
Ainda segundo o pontuado na decisão, o fato de os clientes avaliarem os motoristas não se confunde com o poder diretivo do empregador e não basta para configurar a alegada subordinação, tendo em vista que essa avaliação visa apenas ao controle da qualidade dos serviços prestados.
“Esclareça-se que, a despeito das novas formas de organização do trabalho, cada vez mais interligadas aos avanços tecnológicos – circunstância que demanda cautela especial desta Justiça do Trabalho na apreciação dos pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício daí resultantes – ficou comprovado, no caso, que o reclamante contava com ampla autonomia na prestação dos seus serviços, sem subordinação jurídica”, ressaltou o julgador.
Ausência de supervisão e controle do trabalho executado pelo motorista – Na sentença, foi lembrado que o artigo 6º da CLT prevê que a relação de emprego se concretiza pela presença dos requisitos legais, não importando se o trabalho é realizado no estabelecimento do empregador, no domicílio do empregado, ou a distância. Entretanto, na visão do magistrado, essa norma não altera o entendimento adotado no caso, tendo em vista a ausência de controle ou supervisão da empresa quanto ao trabalho do autor por meio de monitoramento eletrônico, independentemente da figuração da ré como empresa de transporte ou de tecnologia.
Na conclusão do juiz, o trabalhador atuava como prestador de serviços autônomo, cabendo à empresa facilitar o direcionamento de passageiros ao motorista, sendo essa a verdadeira finalidade do aplicativo de transportes. Para o magistrado, a presença de todos os requisitos da relação de emprego não foi provada, razão pela qual julgou improcedentes os pedidos do autor de reconhecimento de vínculo de emprego e de pagamento dos direitos trabalhistas correlatos. Após o autor apresentar recurso ao TRT-MG, as partes celebraram acordo.
Fonte: TRT 3