Justiça do Trabalho destranca ação civil pública voltada à efetividade de políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência e de proteção aos menores aprendizes

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Os julgadores da Primeira Seção Especializada de Dissídios Individuais do TRT-MG (1ª SDI), por decisão unânime, julgaram procedente o mandado de segurança do Ministério Público do Trabalho (MPT) para cassar a decisão do juízo da Vara do Trabalho de Paracatu-MG, que determinou a suspensão da ação civil pública (ACP) nº 0010812-73.2019.5.03.0084, com base na determinação nacional exarada no Tema nº 1.046 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF).

A ACP foi ajuizada pelo MPT contra o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Paracatu, com o objetivo de dar efetividade a políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência e de proteção aos menores e adolescentes (aprendizes). A pretensão do órgão é que o sindicato se abstenha de firmar novas cláusulas coletivas que reduzam a base de cálculo das cotas de aprendizes e trabalhadores com deficiência.

Por meio do ARE nº 1.121.633, o Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral ao tema nº 1.046, que trata da “validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente”. Por decisão do ministro Gilmar Mendes, determinou-se a suspensão de todos os processos que tratam da matéria, nos termos do artigo 1.035, parágrafo 5º, do CPC. Na decisão impugnada, o juízo da Vara do Trabalho de Paracatu determinou a suspensão da ACP, por entender que a matéria ali discutida está relacionada ao Tema nº 1.046.

Mas os julgadores da 1ª SDI do TRT da 3ª Região entenderam de forma diferente e decidiram pela concessão da segurança pretendida pelo MPT. Foi ratificada a liminar que já havia sido deferida na ACP, em agravo regimental, determinando-se o imediato restabelecimento da marcha processual da ação. Os julgadores acolheram voto do relator, desembargador Marcelo Lamego Pertence, no sentido de que a matéria tratada na ACP não se relaciona ao Tema nº 1.046 do STF e, dessa forma, não se aplica a ordem de suspensão nacional exarada nos autos da ARE 1.121.663.

A controvérsia jurídica que gira em torno do cumprimento das cotas para a contratação de aprendizes e pessoas com deficiência, objeto da ACP, tem amparo constitucional, nos termos dos artigos 7º, inciso XXXI, 203, IV, e 227, caput e parágrafo 1º, inciso II, da Constituição da República e, dessa forma, não está abrangida pelo Tema nº 1046 de Repercussão Geral do STF, o qual faz referência expressa a direitos “não assegurados constitucionalmente”. Nessa linha, concluiu o relator, fere direito líquido e certo do impetrante (MPT) a determinação de suspensão da ACP, o que torna evidente, no caso, a presença das circunstâncias jurídicas aptas a autorizar a concessão da segurança pretendida. “Aplico, pois, a técnica da distinção, pois entendo que a pretensão do impetrante na ação originária não se relaciona à mera proibição de transação por instrumento coletivo de trabalho de direito trabalhista não previsto na Constituição da República”, destacou o desembargador.

Proteção ao trabalhador com deficiência e ao menor aprendiz X negociação coletiva – Ao expor os fundamentos da decisão, o relator ressaltou que as matérias discutidas na ACP dizem respeito à proteção do trabalhador com deficiência e ao menor aprendiz e nem mesmo são passíveis de negociação coletiva, dada a natureza imperativa das normas que a regulam, de absoluta indisponibilidade e, portanto, não estão abarcadas pelo Tema 1.046 do STF. Amparou-se o julgador no artigo 611-B da CLT e seus incisos XXII e XXIV, que consideram objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho a supressão ou a redução de direitos que tratam da proibição de discriminação relacionada a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência, bem como de medidas de proteção legal de crianças e adolescentes.

Asseverou o relator que a proteção ao trabalhador com deficiência e ao menor aprendiz possui amparo constitucional, precisamente no artigo 7º, inciso XXXI, da Constituição, que é expresso ao incluir, entre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. Ressaltou que o menor aprendiz também encontra proteção no inciso XXXIII do mesmo dispositivo, que estabelece a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendizes, a partir de quatorze anos.

Em seu exame, o relator se amparou no princípio da proteção à criança, ao adolescente e ao jovem, expresso no artigo 227 da Constituição da República, segundo o qual: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. O parágrafo terceiro da mesma norma constitucional, também apontado pelo relator, estabelece que o direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: idade mínima de 14 anos para admissão ao trabalho (observado o disposto no artigo 7º, inciso XXXIII) e a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas.

Na decisão, o relator se referiu ao parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição da República, que equipara a emendas constitucionais os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos seus membros. Registrou que, dessa forma, integra o ordenamento jurídico brasileiro, como norma constitucional, a “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência” (Decreto Legislativo nº 186, de 2008 e Decreto nº 6.949, de 2009), que, em seu artigo 27, item 1, alínea “a”, dispõe que:

“Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:

a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho”.

Como reforço ao entendimento adotado, o relator citou jurisprudência do Superior Tribunal Federal, no sentido de que “A Convenção de Nova York, a qual tratou dos direitos das pessoas com deficiência, foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional (Decreto 6.946/2009), nos termos do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal. (Ação Direta julgada procedente”. (STF, Tribunal Pleno, ADI 5760, relator: ministro Alexandre de Moraes, DJe nº 210, divulgado em 25/9/2019, publicado em 26/9/2019).

Tendo em vista os dispositivos legais e constitucionais apontados, concluiu o desembargador que a pretensão do MPT na ACP, de se dar efetividade a políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência e de proteção aos menores e adolescentes (aprendizes), não se relaciona à mera proibição de transação por instrumento coletivo de trabalho de direito trabalhista não previsto constitucionalmente e, dessa forma, não perpassa pela discussão afeta ao Tema 1.046 de repercussão geral do STF.

Ao acolher o mandado de segurança do MPT, o desembargador amparou-se, inclusive, em precedente da própria Primeira Seção Especializada em Dissídios Individuais, que, em julgamento anterior sobre questões similares (MSCiv 0011322-13.2020.5.03.0000, relator: juiz convocado Vicente de Paula Maciel Júnior, julgamento em 24/9/2020), já havia decidido que a matéria não está abrangida pelo Tema 1.046 do STF. Naquele caso, discutia-se a legalidade de cláusulas normativas que alteraram a base de cálculo da cota estipulada no artigo 93 da Lei 8.213/91, referente à contratação de pessoas com deficiência, além da admissão de trabalhadores aprendizes a que se refere o artigo 428 da CLT. A decisão ali proferida foi no sentido de que a suspensão da ACP ofendia direito líquido e certo do MPT, por não possuir identidade material com o tema 1.046 de repercussão geral tratado no ARE 1.121.663 e que resultou na ordem de suspensão nacional de processos sobre a questão. Além disso, constou daquela decisão que, conforme já havia decidido a SBDI-I do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do E-ED-ED-RR-142600-82.2009.5.05.0028 (RR-851-64.2013.5.03.0102, 2ª Turma, relatora ministra Delaíde Miranda Arantes, DEJT 30/8/2019), a liminar do ministro Gilmar Mendes se restringe a três matérias (intervalo, turnos ininterruptos de revezamento, horas in itinere), razão pela qual seriam esses os limites da repercussão geral em recurso extraordinário.

O relator ainda citou julgamento anterior do próprio STF em que, no mesmo sentido, decidiu-se que as normas alusivas às ações afirmativas voltadas para a inclusão de menores aprendizes, jovens adultos e pessoas com deficiência encontram a matriz principal na Constituição e não integram o debate posto no Tema 1.046, que se refere à validade de norma coletiva sobre direito não assegurado constitucionalmente, razão pela qual deixam de observar a ordem de suspensão nacional determinada pelo ministro Gilmar no autos do ARE1.121.633. (acórdão relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, no AgR-Rcl 40.013, Primeira Turma, DJe nº 223, divulgado em 8/9/2020 e publicado em 9/9/2020).

Fonte: TRT 3

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