Assembleia não pode criar lei cuja iniciativa cabe ao chefe do Poder Executivo

Segundo o princípio da simetria, as regras do processo legislativo federal se aplicam ao processo legislativo estadual e municipal, de tal forma que a Constituição Estadual e as leis estaduais sejam simétricas à Constituição Federal. Logo, se o legislativo apresenta projeto de lei cuja iniciativa cabia ao chefe do poder executivo estadual, ou seja, ao governador, está patente o vício de iniciativa, que consubstancia inconstitucionalidade formal subjetiva. Esse foi o entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso ao analisar a Direta de Inconstitucionalidade n. 1001909-82.2020.8.11.0000 e declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 11.033/2019. A ação foi proposta pelo governador do Estado em face da Lei Estadual n. 11.033, de 2 de dezembro de 2019, a qual dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos servidores e militares, ativos e inativos, e pensionistas do Poder Executivo Estadual. Ele afirmou que o processo legislativo foi fruto de iniciativa parlamentar, tendo sido aposto veto total pelo chefe do Poder Executivo, porém, o veto foi derrubado pela Assembleia Legislativa. Salientou que a norma impugnada, ao interferir na dinâmica da folha de pagamento dos servidores do Poder Executivo, violaria a reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre o regime jurídico dos servidores (aspectos relacionados à remuneração) e sobre a organização do Poder Executivo, de modo a comprometer sua constitucionalidade tanto no aspecto formal quanto no material. Aduziu que a iniciativa legislativa referente à organização administrativa necessária ao processamento da consignação em folha de pagamento de servidores públicos é reservada ao chefe do Poder Executivo Estadual. Arguiu que a lei estadual regulamentou a operacionalização do empréstimo consignado na folha de pagamento dos servidores do Executivo, sendo que o Legislativo instaurou processo legislativo para impor ao Executivo a forma como irá promover e desenvolver a temática no âmbito administrativo, inclusive criando novos gastos não previstos. No mérito, buscou a inconstitucionalidade formal e material da Lei Estadual n. 11.033/2019. Segundo o relator da ação direta de inconstitucionalidade, desembargador Rui Ramos Ribeiro, a iniciativa legislativa referente à organização administrativa necessária ao processamento da consignação em folha de pagamento de servidores públicos é reservada ao Chefe do Poder Executivo Estadual. “O artigo 61, §1º, inciso II, alínea “e”, e 84, VI, “a”, da Constituição Federal, cuja reprodução obrigatória, consta do artigo 39, II, “d” e 66, V, da Constituição do Estado de Mato Grosso”, salientou. “A norma abrange servidores pertencentes ao quadro do Poder Executivo Estadual e impõe obrigações para órgãos ligados diretamente a estrutura desse Poder, em total descompasso com as balizas impostas pelo ordenamento jurídico, firmadas no sentido de que eventuais modificações na estrutura da Administração Pública direta indireta, bem como o regime jurídico dos servidores públicos estão inseridas no âmbito da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Outrossim, a norma ganha contorno de inconstitucionalidade em dois pontos. Primeiro: quando imiscui na regulamentação de aspectos associados, ainda que indiretamente, ao regime jurídico de servidor ligado aos quadros do Poder Executivo. Segundo: quando impõe novas obrigações a órgão vinculado a estrutura do Poder Executivo”, destacou o desembargador. Conforme o relator, o próprio parecer da Consultoria Técnico-Legislativa da Mesa Diretora da Comissão de Constituição, Justiça e Redação foi elaborado no sentido de ser mantido o veto do Governador do Estado. “Frente ao disposto na Constituição Estadual, tenho que a iniciativa para leis deste jaez é de exclusiva competência do Poder Executivo Estadual, não do Legislativo Estadual, que, in casu, usurpou a competência legislativa.” O desembargador Rui Ramos salientou ainda que a jurisprudência no Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que as regras orientadoras do processo legislativo encartadas na Constituição Federal (art. 59 a 69) constituem comando de observação compulsória por todos os demais entes federados. “Esse cenário permite que esses dispositivos sejam utilizados pelos Tribunais de Justiça como norma-parâmetro quando do exercício do controle abstrato de constitucionalidade.” A decisão foi unânime.

Fonte: TJMT

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