A Guardian Life Brasil Banco de Criogenia Células-Tronco foi condenada a indenizar uma criança de 9 anos, por danos morais, por não cientificar a mãe dela de que a coleta de uma quantidade menor da placenta oriunda do parto seria um fator impeditivo para que o material fosse armazenado. A família receberá R$ 20 mil.
A 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) entendeu que, de acordo com Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor deve informar as características, componentes e riscos inerentes ao produto ou serviço que oferece. Isso deve ocorrer de modo claro e preciso, porque o silêncio parcial ou total configura violação do princípio da transparência.
A decisão reforma em parte sentença da 20ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que havia determinado que a quantia ficasse depositada judicialmente até que a menina atingisse a maioridade. A ação foi ajuizada em nome da filha.
A mãe sustenta que, em 30 de janeiro de 2012, contratou serviços de coleta, processamento e armazenamento do sangue do cordão umbilical e placentário autólogo (Scupa), na expectativa de proporcionar à filha um futuro saudável, com qualidade de vida. A medida foi tomada ante a informação de que diversas doenças poderiam ser tratadas a partir das células-tronco coletadas.
Segundo a paciente, o material foi colhido em 12 de fevereiro e liberado para armazenamento com assinatura da médica responsável pela empresa. A funcionária da Guardian teria dito que mesmo ocorrendo uma coleta de 24ml, menor do que o mínimo exigido, de 70 ml, haveria a possibilidade da expansão celular.
Ao receber o boleto para pagar a anuidade referente a 2016, a mãe constatou que não havia informação a respeito do material coletado. Ela pesquisou a questão por conta própria e descobriu que, com a quantidade retirada, era inviável a utilização do material para a finalidade desejada. Ela alegou ter se sentido enganada e pediu a reparação pelos danos morais.
A empresa se defendeu sob o argumento de que o contrato relativo à coleta e ao armazenamento de células-tronco do cordão umbilical para criopreservação possui preâmbulo explicativo, detalhando todos os vocábulos e termos técnicos, em conformidade com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Para a Guardian Life, a mãe tinha ciência de que poderia verificar-se a condição de baixa celularidade, a qual é fisiológica e não deriva do serviço prestado. Além disso, o resultado da extração só poderia ser divulgado após a coleta do material e a realização dos exames de viabilidade do congelamento.
O banco de células ainda alegou que o congelamento do material coletado foi autorizado pela contratante, portanto não havia dano moral a ser indenizado. O juiz Renato Luiz Faraco rejeitou essa tese e estipulou o valor de R$ 20 mil a ser pago à criança.
Ambas as partes recorreram, com ganho de causa para a família. O relator, desembargador Estevão Lucchesi, explicou que houve falha no cumprimento do dever de informação pela empresa, pois era responsabilidade da contratada informar precisamente a consumidora de que o volume coletado não era viável para fins de criopreservação e futura utilização no tratamento de eventuais doenças, conforme regulamento técnico emitido pela Anvisa.
Segundo o magistrado, a questão em debate não era a baixa celularidade contida no material coletado, mas a ciência da empresa de que esse quantitativo não era tecnicamente viável para os fins pretendidos. Ainda assim, o banco armazenou o material, criando na consumidora a legítima expectativa de que ocorreria a criopreservação e de que as células poderiam ser eventualmente utilizadas no futuro.
O magistrado afirma que competiria à empresa demonstrar que a coleta, mesmo que em volume inferior ao estipulado no próprio contrato e em regulamento técnico da Anvisa, era cientificamente viável, mas isso não ocorreu.
O relator ponderou que, ainda que a autora tenha assinado um documento encaminhado pela empresa, autorizando o armazenamento do material, isso apenas corrobora a falha na prestação do serviço. Isso porque o documento “não traz qualquer informação ao consumidor quanto ao significado desses valores técnicos e se estes interferem na efetividade da criopreservação do respectivo material, restando nítida a ausência de informação adequada ao consumidor”.
Quanto ao valor da indenização, o magistrado entendeu por certo que ele fosse levantado pela própria mãe da criança, já que é a responsável por ela. Os desembargadores Marco Aurélio Ferenzini e Valdez Leite Machado votaram de acordo com o relator.
Fonte: TJMG