Pedra Filosofal… António Gedeão

  Pedra Filosofal…  Eles não sabem que o sonhoé uma constante da vidatão concreta e definidacomo outra coisa qualquer,como esta pedra cinzentaem que me sento e descanso,como este ribeiro mansoem serenos sobressaltos,como estes pinheiros altosque em verde e oiro se agitam,como estas aves que gritamem bebedeiras de azul.Eles não sabem que o sonhoé vinho, é … Ler mais

Vozes do Mar … Florbela Espanca

  Vozes do Mar …  Quando o sol vai caindo sobre as águasNum nervoso delíquio d’oiro intenso,Donde vem essa voz cheia de mágoasCom que falas à terra, ó mar imenso?…Tu falas de festins, e cavalgadasDe cavaleiros errantes ao luar?Falas de caravelas encantadasQue dormem em teu seio a soluçar?Tens cantos d’epopeias? Tens anseiosD’amarguras? Tu tens também … Ler mais

Tarde Demais… Florbela Espanca

  Tarde Demais…  Quando chegaste enfim, para te verAbriu-se a noite em mágico luar;E pra o som de teus passos conhecerPôs-se o silêncio, em volta, a escutar…Chegaste enfim! Milagre de endoidar!Viu-se nessa hora o que não pode ser:Em plena noite, a noite iluminar;E as pedras do caminho florescer!Beijando a areia d’oiro dos desertosProcurara-te em vão! … Ler mais

Amor Que Morre … Florbela Espanca

  Amor Que Morre …  O nosso amor morreu… Quem o diria!Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,Ceguinha de te ver, sem ver a contaDo tempo que passava, que fugia!Bem estava a sentir que ele morria…E outro clarão, ao longe, já desponta!Um engano que morre… e logo apontaA luz doutra miragem fugidia…Eu bem sei, meu … Ler mais

A Uma Rapariga … Florbela Espanca

  A Uma Rapariga …  À NiceAbre os olhos e encara a vida! A sinaTem que cumprir-se! Alarga os horizontes!Por sobre lamaçais alteia pontesCom tuas mãos preciosas de menina.Nessa estrada da vida que fascinaCaminha sempre em frente, além dos montes!Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!Beija aqueles que a sorte te destina!Trata por tu … Ler mais

Sonhos … Florbela Espanca

  Sonhos …  Ter um sonho, um sonho lindo,Noite branda de luar,Que se sonhasse a sorrir…Que se sonhasse a chorar…Ter um sonho, que nos fosseA vida, a luz, o alento,Que a sonhar beijasse doceA nossa boca… um lamento…Ser pra nós o guia, o norte,Na vida o único trilho;E depois ver vir a morteDespedaçar esses laços!…… … Ler mais

Tortura … Florbela Espanca

  Tortura …  Tirar dentro do peito a Emoção,A lúcida Verdade, o Sentimento!– E ser, depois de vir do coração,Um punhado de cinza esparso ao vento!…Sonhar um verso d’alto pensamento,E puro como um ritmo d’oração!– E sei; depois de vir do coração,O pó, o nada, o sonho dum momento!…São assim ocos, rudes, os meus versos:Rimas … Ler mais

O Meu Orgulho … Florbela Espanca

  O Meu Orgulho …  Lembro-me o que fui dantes. Quem me deraNão me lembrar! Em tardes dolorosasLembro-me que fui a PrimaveraQue em muros velhos faz nascer as rosas!As minhas mãos outrora carinhosasPairavam como pombas… Quem souberaPorque tudo passou e foi quimera,E porque os muros velhos não dão rosas!O que eu mais amo é que … Ler mais

Poetas … Florbela Espanca

  Poetas …  Ai as almas dos poetasNão as entende ninguém;São almas de violetasQue são poetas também.Andam perdidas na vida,Como as estrelas no ar;Sentem o vento gemerOuvem as rosas chorar!Só quem embala no peitoDores amargas e secretasÉ que em noites de luarPode entender os poetas.E eu que arrasto amargurasQue nunca arrastou ninguémTenho alma pra sentirA … Ler mais

Suavidade … Florbela Espanca

  Suavidade …  Poisa a tua cabeça doloridaTão cheia de quimeras, de idealSobre o regaço brando e maternalDa tua doce Irmã compadecida.Hás de contar-me nessa voz tão q’ridaTua dor infantil e irreal,E eu, pra te consolar, direi o malQue à minha alma profunda fez a Vida.E hás de adormecer nos meus joelhos…E os meus dedos … Ler mais

Horas Rubras … Florbela Espanca

  Horas Rubras …  Horas profundas, lentas e caladasFeitas de beijos rubros e ardentes,De noites de volúpia, noites quentesOnde há risos de virgens desmaiadas…Oiço olaias em flor às gargalhadas…Tombam astros em fogo, astros dementes,E do luar os beijos languescentesSão pedaços de prata p’las estradas…Os meus lábios são brancos como lagos…Os meus braços são leves como … Ler mais

Inconstância … Florbela Espanca

  Inconstância …  Procurei o amor que me mentiu.Pedi à Vida mais do que ela dava.Eterna sonhadora edificavaMeu castelo de luz que me caiu!Tanto clarão nas trevas refulgiu,E tanto beijo a boca me queimava!E era o sol que os longes deslumbravaIgual a tanto sol que me fugiu!Passei a vida a amar e a esquecer…Um sol … Ler mais

Princesa Desalento … Florbela Espanca

  Princesa Desalento …  Minh’alma é a Princesa Desalento,Como um Poeta lhe chamou, um dia.É revoltada, trágica, sombria,Como galopes infernais de vento!É frágil como o sonho dum momento,Soturna como preces de agonia,Vive do riso duma boca fria!Minh’alma é a Princesa Desalento…Altas horas da noite ela vagueia…E ao luar suavíssimo, que anseia,Põe-se a falar de tanta … Ler mais

Lágrimas Ocultas … Florbela Espanca

  Lágrimas Ocultas …  Se me ponho a cismar em outras erasEm que ri e cantei, em que era q’rida,Parece-me que foi noutras esferas,Parece-me que foi numa outra vida…E a minha triste boca doloridaQue dantes tinha o rir das Primaveras,Esbate as linhas graves e severasE cai num abandono de esquecida!E fico, pensativa, olhando o vago…Toma … Ler mais

Teus Olhos … Florbela Espanca

  Teus Olhos …  Olhos do meu Amor! Infantes loirosQue trazem os meus presos, endoidados!Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.Neles ficaram meus palácios moiros,Meus carros de combate, destroçados,Os meus diamantes, todos os meus oirosQue trouxe d’Além-Mundos ignorados!Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..Enigmáticas campas medievais…Jardins de Espanha… catedrais eternas…Berço vindo … Ler mais

Loucura … Florbela Espanca

  Loucura …  Tudo cai! Tudo tomba! DerrocadaPavorosa! Não sei onde era dantes.Meu solar, meus palácios meus mirantes!Não sei de nada, Deus, não sei de nada!…Passa em tropel febril a cavalgadaDas paixões e loucuras triunfantes!Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!Não tenho nada, Deus, não tenho nada!…Pesadelos de insônia, ébrios de anseio!Loucura a esboçar-se, a enegrecerCada … Ler mais

Vaidade … Florbela Espanca

  Vaidade …  Sonho que sou a Poetisa eleita,Aquela que diz tudo e tudo sabe,Que tem a inspiração pura e perfeita,Que reúne num verso a imensidade!Sonho que um verso meu tem claridadePara encher todo o mundo! E que deleitaMesmo aqueles que morrem de saudade!Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!Sonho que sou Alguém cá neste … Ler mais

O Meu Impossível…. Florbela Espanca

  O Meu Impossível….  Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,É um brasido enorme a crepitar!Ânsia de procurar sem encontrarA chama onde queimar uma incerteza!Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesaÉ nada ser perfeito! É deslumbrarA noite tormentosa até cegarE tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…Aos meus irmãos na dor já disse … Ler mais

Évora … Florbela Espanca

  Évora …  Évora! Ruas ermas sob os céusCor de violetas roxas… Ruas fradesPedindo em triste penitência a DeusQue nos perdoe as míseras vaidades!Tenho corrido em vão tantas cidades!E só aqui recordo os beijos teus,E só aqui eu sinto que são meusOs sonhos que sonhei noutras idades!Évora!… O teu olhar… o teu perfil…Tua boca sinuosa, … Ler mais

O Meu Soneto… Florbela Espanca

  O Meu Soneto…  Em atitudes e em ritmos fleumáticos,Erguendo as mãos em gestos recolhidos,Todos os brocados fúlgidos, hieráticos,Em ti andam bailando os meus sentidos…E os meus olhos serenos, enigmáticos,Meninos que na estrada andam perdidos,Dolorosos, tristíssimos, extáticos,São letras de poemas nunca lidos…As magnólias abertas dos meus dedosSão mistérios, são filtros, são enredosQue pecados d’amor trazem … Ler mais

Elegia 1938 … Carlos Drummond de Andrade

  Elegia 1938 … Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.Praticas laboriosamente os gestos universais,sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue frio, a concepção.À noite, se … Ler mais

Passagem do Ano… Carlos Drummond de Andrade

  Passagem do Ano…  O último dia do anonão é o último dia do tempo.Outros dias virãoe novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.Beijarás bocas, rasgarás papéis,farás viagens e tantas celebraçõesde aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,os irreparáveis uivosdo … Ler mais

Amar … Carlos Drummond de Andrade

  Amar…  Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar?Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal, senãorodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que êle sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou … Ler mais

Ausência… Carlos Drummond de Andrade

  Ausência… Por muito tempo achei que a ausência é falta.E lastimava, ignorante, a falta.Hoje não a lastimo.Não há falta na ausência.A ausência é um estar em mim.E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,que rio e danço e invento exclamações alegres,porque a ausência, essa ausência assimilada,ninguém a rouba mais de mim.

Os ombros suportam o mundo… Carlos Drummond de Andrade

  Os ombros suportam o mundo…  Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco.Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.Ficaste sozinho, … Ler mais

As sem razões do amor… Carlos Drummond de Andrade

  As sem razões do amor…  Eu te amo porque te amo.Não precisas ser amante,e nem sempre sabes sê-lo.Eu te amo porque te amo.Amor é estado de graçae com amor não se paga.Amor é dado de graça,é semeado no vento,na cachoeira, no eclipse.Amor foge a dicionáriose a regulamentos vários.Eu te amo porque não amobastante ou … Ler mais

Destruição… Carlos Drummond de Andrade

  Destruição…  Os amantes se amam cruelmentee com se amarem tanto não se vêem.Um se beija no outro, refletido.Dois amantes que são? Dois inimigos.Amantes são meninos estragadospelo mimo de amar: e não percebemquanto se pulverizam no enlaçar-se,e como o que era mundo volve a nada.Nada. Ninguém. Amor, puro fantasmaque os passeia de leve, assim a … Ler mais

Bluebird … Charles Bukowski

  Bluebird  there’s a bluebird in my heart thatwants to get outbut I’m too tough for him,I say, stay in there, I’m not goingto let anybody seeyou.there’s a bluebird in my heart thatwants to get outbut I pour whiskey on him and inhalecigarette smokeand the whores and the bartendersand the grocery clerksnever know thathe’sin there.there’s … Ler mais

Mirror … Sylvia Plath

 Mirror I am silver and exact. I have no preconceptions.Whatever I see I swallow immediatelyJust as it is, unmisted by love or dislike.I am not cruel, only truthful‚The eye of a little god, four-cornered.Most of the time I meditate on the opposite wall.It is pink, with speckles. I have looked at it so longI think … Ler mais