Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio… Fernando Pessoa

  Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio… Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamosQue a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.(Enlaçemos as mãos).Depois pensemos, crianças adultas, que a vidaPassa e não fica, nada deixa e nunca regressa,Vai para um mar muito longe, para o … Ler mais

Todo o mundo de seres e relações… Fernando Pessoa

  Todo o mundo de seres e relações… O mistério do mundo,O íntimo, horroroso, desolado,Verdadeiro mistério da existência,Consiste em haver esse mistério.…Não é a dor de já não poder crerQue m’oprime, nem a de não saber,Mas apenas completamente o horrorDe ter visto o mistério frente a frente,De tê-lo visto e compreendido em todaA sua infinidade … Ler mais

Da minha aldeia… Fernando Pessoa

  Da minha aldeia…  Da minha aldeiavejo quanto da terra se pode ver o Universo….Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquerPorque eu sou do tamanho do que vejoE não do tamanho da minha altura…Nas cidades a vidaé mais pequenaQue aqui na minha casa no cimo deste outeiro.Na cidade as grandes casas fecham … Ler mais

Foi um momento… Fernando Pessoa

  Foi um momento…  Foi um momentoO em que pousasteSobre o meu braço,Num movimentoMais de cansaçoQue pensamento,A tua mãoE a retiraste.Senti ou não?Não sei. Mas lembroE sinto aindaQualquer memóriaFixa e corpóreaOnde pousasteA mão que teveQualquer sentidoIncompreendido,Mas tão de leve!…Tudo isto é nada,Mas numa estradaComo é a vidaHá uma coisaIncompreendida…Sei eu se quandoA tua mãoSenti pousandoSobre … Ler mais

Sou um evadido … Fernando Pessoa

  Sou um evadido …  Sou um evadido.Logo que nasciFecharam-me em mim,Ah, mas eu fugi.Se a gente se cansaDo mesmo lugar,Do mesmo serPor que não se cansar?Minha alma procura-meMas eu ando a monte,Oxalá que elaNunca me encontre.Ser um é cadeia,Ser eu é não ser.Viverei fugindoMas vivo a valer.

LIBERDADE … Fernando Pessoa

  LIBERDADE …  Ai que prazerNão cumprir um dever,Ter um livro para lerE não o fazer!Ler é maçada,Estudar é nada.O sol doiraSem literatura.O rio corre, bem ou mal,Sem edição original.E a brisa, essa,De tão naturalmente matinal,Como tem tempo não tem pressa…Livros são papéis pintados com tinta.Estudar é uma coisa em que está indistintaA distinção entre … Ler mais

X. MAR PORTUGUÊS … Fernando Pessoa

  X. MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar!Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar … Ler mais

Amar … Carlos Drummond de Andrade

  Amar  Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar?Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal, senãorodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que êle sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou … Ler mais

Ódio? … Florbela Espanca

  Ódio? À Aurora AboimÓdio por Ele? Não… Se o amei tanto,Se tanto bem lhe quis no meu passado,Se o encontrei depois de o ter sonhado,Se à vida assim roubei todo o encanto,Que importa se mentiu? E se hoje o prantoTurva o meu triste olhar, marmorizado,Olhar de monja, trágico, geladoCom um soturno e enorme Campo … Ler mais

Passam no teu olhar nobres cortejos … Florbela Espanca

  Passam no teu olhar nobres cortejos Passam no teu olhar nobres cortejos,Frotas, pendões ao vento sobranceiros,Lindos versos de antigos romanceiros,Céus do Oriente, em brasa, como beijos,Passam no teu olhar mundos inteiros,Todo um povo de heróis e marinheiros,Lanças nuas em rútilos lampejos;Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,Em centelhas de crença e de … Ler mais

À Morte … Florbela Espanca

  À Morte Morte, minha Senhora Dona Morte,Tão bom que deve ser o teu abraço!Lânguido e doce como um doce laçoE como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforteTua mão que nos guia passo a passo,Em ti, dentro de ti, no teu regaçoNão há triste destino nem má sorte.Dona … Ler mais

Saudades … Florbela Espanca

  Saudades Saudades! Sim… talvez… e por que não?…Se o nosso sonho foi tão alto e forteQue bem pensara vê-lo até à morteDeslumbrar-me de luz o coração!Esquecer! Para quê?… Ah, como é vão!Que tudo isso, Amor, nos não importe.Se ele deixou beleza que conforteDeve-nos ser sagrado como o pão.Quantas vezes, Amor, já te esqueci,Para mais … Ler mais

A Vida … Florbela Espanca

  A Vida É vão o amor, o ódio, ou o desdém;Inútil o desejo e o sentimento…Lançar um grande amor aos pés d’alguémO mesmo é que lançar flores ao vento!Todos somos no mundo “Pedro Sem”,Uma alegria é feita dum tormento,Um riso é sempre o eco dum lamento,Sabe-se lá um beijo donde vem!A mais nobre ilusão … Ler mais

Da Minha Janela … Florbela Espanca

  Da Minha Janela Mar alto! Ondas quebradas e vencidasNum soluçar aflito, murmurado..Voo de gaivotas, leve, imaculado,Como neves nos píncaros nascidas!Sol! Ave a tombar, asas já feridas,Batendo ainda num arfar pausado…Ó meu doce poente torturadoRezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!Meu verso de Samain cheio de graça,Inda não és clarão já és luarComo um branco lilás … Ler mais

Noite de Saudade … Florbela Espanca

  Noite de Saudade A Noite vem poisando devagarSobre a terra que inunda de amargura…E nem sequer a bênção do luarA quis tornar divinamente pura…Ninguém vem atrás dela a acompanharA sua dor que é cheia de tortura…E eu oiço a Noite imensa soluçar!E eu oiço soluçar a Noite escura!Por que és assim tão ’scura, assim … Ler mais

Eu… Florbela Espanca

  Eu… Eu sou a que no mundo anda perdida,Eu sou a que na vida não tem norte,Sou a irmã do Sonho, e desta sorteSou a crucificada… a dolorida…Sombra de névoa tênue e esvaecida,E que o destino amargo, triste e forte,Impele brutalmente para a morte!Alma de luto sempre incompreendida!…Sou aquela que passa e ninguém vê…Sou … Ler mais

Amar! – Florbela Espanca

  Amar! Eu quero amar, amar perdidamente!Amar só por amar: Aqui… além…Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…Amar! Amar! E não amar ninguém!Recordar? Esquecer? Indiferente!…Prender ou desprender? É mal? É bem?Quem disser que se pode amar alguémDurante a vida inteira é porque mente!Há uma Primavera em cada vida:É preciso cantá-la assim florida,Pois … Ler mais

Fumo – Florbela Espanca

  Fumo Longe de ti são ermos os caminhos,Longe de ti não há luar nem rosas;Longe de ti há noites silenciosas,Há dias sem calor, beirais sem ninhos!Meus olhos são dois velhos pobrezinhosPerdidos pelas noites invernosas…Abertos, sonham mãos cariciosas,Tuas mãos doces plenas de carinhos!Os dias são Outonos: choram… choram…Há crisântemos roxos que descoram…Há murmúrios dolentes de … Ler mais

Não Ser – Florbela Espanca

  Não Ser Quem me dera voltar à inocênciaDas coisas brutas, sãs, inanimadas,Despir o vão orgulho, a incoerência:– Mantos rotos de estátuas mutiladas!Ah! arrancar às carnes laceradasSeu mísero segredo de consciência!Ah! poder ser apenas florescênciaDe astros em puras noites deslumbradas!Ser nostálgico choupo ao entardecer,De ramos graves, plácidos, absortosNa mágica tarefa de viver!Ser haste, seiva, ramaria … Ler mais

Languidez – Florbela Espanca

  Languidez Tardes da minha terra, doce encanto,Tardes duma pureza d’açucenas,Tardes de sonho, as tardes de novenas,Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!…Horas benditas, leves como penas,Horas de fumo e cinza, horas serenas,Minhas horas de dor em que eu sou santo!Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,Que poisam sobre duas … Ler mais

Realidade – Florbela Espanca

  Realidade Em ti o meu olhar fez-se alvorada,E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,E a minha rubra boca apaixonadaTeve a frescura pálida do linho.Embriagou-me o teu beijo como um vinhoFulvo de Espanha, em taça cinzelada,E a minha cabeleira desatadaPôs a teus pés a sombra dum caminho.Minhas pálpebras são cor de verbena,Eu tenho os … Ler mais

Fanatismo de Florbela Espanca

  Fanatismo Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.Meus olhos andam cegos de te ver.Não és sequer razão do meu viverPois que tu és já toda a minha vida!Não vejo nada assim enlouquecida…Passo no mundo, meu Amor, a lerNo mist’rioso livro do teu serA mesma história tantas vezes lida!…“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”Quando me dizem … Ler mais

Os Versos Que Te Fiz – Florbela Espanca

  Os Versos Que Te Fiz Deixa dizer-te os lindos versos rarosQue a minha boca tem pra te dizer!São talhados em mármore de ParosCinzelados por mim pra te oferecer.Têm dolências de veludos caros,São como sedas brancas a arder…Deixa dizer-te os lindos versos rarosQue foram feitos pra te endoidecer!Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…Que … Ler mais

AUTOPSICOGRAFIA – Fernando Pessoa

 AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor.Finge tão completamenteQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.E os que lêem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,Mas só a que eles não têm.E assim nas calhas da rodaGira, a entreter a razão,Esse comboio de cordaQue se chama o coração.

Desiderata – Poema de Max Ehrmann

 Desiderata Siga tranquilamente entre a inquietude e a pressa, lembrando-se que há sempre paz no silêncio. Tanto que possível, sem se humilhar, viva em harmonia com todos os que o cercam.Fale a sua verdade mansa e calmamente e ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes – eles também têm sua própria história.Evite … Ler mais