Trovas Para Serem Vendidas … António Gedeão

  Trovas Para Serem Vendidas …  na Travessa de S. DomingosO repórter fotográfico foi ver a fuzilaria.Ganhou o prêmio do anoda melhor fotografia.Notícias não confirmadasinformam, de origens várias,que as tropas revolucionáriasrecentemente cercadasacabam de ser esmagadascom perdas extraordinárias.Na redação do jornalcorre tudo em sobressalto.A hora é sensacional.Toda a gente dormiu mal,gesticula e fala alto.Passageiros recém-chegadosdo lugar … Ler mais

Poema da malta das naus … António Gedeão

  Poema da malta das naus …  Lancei ao mar um madeiro,espetei-lhe um pau e um lençol.Com palpite marinheiromedi a altura do Sol.Deu-me o vento de feição,levou-me ao cabo do mundo.pelote de vagabundo,rebotalho de gibão.Dormi no dorso das vagas,pasmei na orla das praisarreneguei, roguei pragas,mordi peloiros e zagaias.Chamusquei o pêlo hirsuto,tive o corpo em chagas … Ler mais

Poema do homem-rã … António Gedeão

  Poema do homem-rã …  Sou feliz por ter nascidono tempo dos homens-rãsque descem ao mar perdidona doçura das manhãs.Mergulham, imponderáveis,por entre as águas tranquilas,enquanto singram, em filas,peixinhos de cores amáveis.Vão e vêm, serpenteiam,em compassos de ballet.Seus lentos gestos penteiammadeixas que ninguém vê.Com barbatanas calçadase pulmões a tiracolo,roçam-se os homens no solosob um céu de … Ler mais

Adeus, Lisboa … António Gedeão

  Adeus, Lisboa …  Vou-me até à Outra Bandano barquinho da carreira.Faz que anda mas não anda;parece de brincadeira.Planta-se o homem no leme.Tudo ginga, range e treme.Bufa o vapor na caldeira.Um menino solta um grito;assustou-se com o apitodo barquinho da carreira.Todo ancho, tremelicacomo um boneco de corda.Nem sei se vai ou se fica.Só se vê … Ler mais

Esta é a Cidade … António Gedeão

  Esta é a Cidade …  Esta é a Cidade, e é bela.Pela ocular da janelafoco o sémen da rua.Um formigueiro se agita,se esgueira, freme, crepita,ziguezagueia e flutua.Freme como a sede bebenuma avidez de garganta,como um cavalo se espantaou como um ventre concebe.Treme e freme, freme e treme,friorento voo de libélulasobre o charco imundo e … Ler mais

Poema do fecho-éclair … António Gedeão

  Poema do fecho-éclair …  Filipe II tinha um colar de oiro,tinha um colar de oiro com pedras rubis.Cingia a cintura com cinto de oiro,com fivela de oiro,olho de perdiz.Comia num pratode prata lavradagirafa trufada,rissóis de serpente.O copo era um gomoque em flor desabrocha,de cristal de rochado mais transparente.Andava nas salasforradas de Arrás,com panos por … Ler mais

Lição sobre a água … António Gedeão

  Lição sobre a água …  Este líquido é água.Quando puraé inodora, insípida e incolor.Reduzida a vapor,sob tensão e a alta temperatura,move os êmbolos das máquinas que, por isso,se denominam máquinas de vapor.É um bom dissolvente.Embora com excepções mas de um modo geral,dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.Congela a zero graus centesimaise ferve a … Ler mais

Arma secreta … António Gedeão

  Arma secreta …  Tenho uma arma secretaao serviço das nações.Não tem carga nem espoletamas dipara em linha rectamais longe que os foguetões.Não é Júpiter, nem Thor,nem Snark ou outros que tais.É coisa muito melhorque todo o vasto teordos Cabos Canaverais.A potência destinadaàs rotações da turbinanão vem da nafta queimada,nem é de água oxigenadanem de … Ler mais

Dor de Alma … António Gedeão

  Dor de Alma …  Meu pratinho de arroz docepolvilhado de canela;Era bom mas acabou-sedesde que a vida me trouxeoutros cuidados com ela.Eu, infante, não sabiaas mágoas que a vida tem.Ingenuamente sorria,me aninhava e adormeciano colo da minha mãe.Soube depois que há no mundoumas tantas criaturasque vivem num charco imundoarrancando arroz do fundode pestilentas planuras.Um … Ler mais

Poema do coração… António Gedeão

  Poema do coração…. Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,e também a Bondade,e a Sinceridade,e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração.Então poderia dizer-vos:“Meus amados irmãos,falo-vos do coração”,ou então:“com o coração nas mãos”.Mas o meu coração é como o dos compêndios.Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral)e os … Ler mais

Poema da auto-estrada … António Gedeão

  Poema da auto-estrada …  Voando vai para a praiaLeonor na estrada pretaVai na brasa de lambreta.Leva calções de pirata,Vermelho de alizarina,modelando a coxa finade impaciente nervura.Como guache lustroso,amarelo de indantrenoblusinha de terilenodesfraldada na cintura.Fuge, fuge, Leonoreta.Vai na brasa, de lambreta.Agarrada ao companheirona volúpia da escapadapincha no banco traseiroem cada volta da estrada.Grita de medo … Ler mais

Amador sem coisa amada … António Gedeão

  Amador sem coisa amada …  Resolvi andar na ruacom os olhos postos no chão.Quem me quiser que me chameou que me toque com a mão.Quando a angústia embaciarde tédio os olhos vidrados,olharei para os prédios altos,para as telhas dos telhados.Amador sem coisa amada,aprendiz colegial.Sou amador da existência,não chego a profissional.

Impressão digital … António Gedeão

  Impressão digital …  Os meus olhos são uns olhos.E é com esses olhos unsque eu vejo no mundo escolhosonde outros, com outros olhos,não vêem escolhos nenhuns.Quem diz escolhos diz flores.De tudo o mesmo se diz.Onde uns vêem luto e dores,uns outros descobrem coresdo mais formoso matiz.Nas ruas ou nas estradasonde passa tanta gente,uns vêem … Ler mais

Lágrima de preta … António Gedeão

  Lágrima de preta …  Encontrei uma pretaque estava a chorar,pedi-lhe uma lágrimapara a analisar.Recolhi a lágrimacom todo o cuidadonum tubo de ensaiobem esterilizado.Olhei-a de um lado,do outro e de frente:tinha um ar de gotamuito transparente.Mandei vir os ácidos,as bases e os sais,as drogas usadasem casos que tais.Ensaiei a frio,experimentei ao lume,de todas as vezesdeu-me … Ler mais

Dez réis de esperança … António Gedeão

  Dez réis de esperança …  Se não fosse esta certezaque nem sei de onde me vem,não comia, nem bebia,nem falava com ninguém.Acocorava-me a um canto,no mais escuro que houvesse,punha os joelhos á bocae viesse o que viesse.Não fossem os olhos grandesdo ingénuo adolescente,a chuva das penas brancasa cair impertinente,aquele incógnito rosto,pintado em tons de … Ler mais

Poema do alegre desespero … António Gedeão

  Poema do alegre desespero …  Compreende-se que lá para o ano três mil e talninguém se lembre de certo Fernão barbudoque plantava couves em Oliveira do Hospital,ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Doresque tirou um retrato toda vestida de veludosentada num canapé junto de um vaso com flores.Compreende-se.E até mesmo que já ninguém … Ler mais

Pedra Filosofal… António Gedeão

  Pedra Filosofal…  Eles não sabem que o sonhoé uma constante da vidatão concreta e definidacomo outra coisa qualquer,como esta pedra cinzentaem que me sento e descanso,como este ribeiro mansoem serenos sobressaltos,como estes pinheiros altosque em verde e oiro se agitam,como estas aves que gritamem bebedeiras de azul.Eles não sabem que o sonhoé vinho, é … Ler mais