Quando?… Camilo Pessanha

  Quando?…  Quando se erguerão as seteiras,Outra vez, do castelo em ruína?E haverá gritos e bandeirasNa fria aragem matutina?Se ouvirá tocar a rebate,– Sobre a planície abandonada?E partiremos ao combate,De cota, e elmo, e a longa espada?Quando iremos, tristes e sérios,Nas prolixas e vãs contendas,Lançando juras, impropérios,Pelas divisas e legendas?E voltaremos, – os antigos,Os puríssimos … Ler mais

Queda… Camilo Pessanha

  Queda…  (A João P. Vasco)O meu coração desce,Um balão apagado.Melhor fora que ardesseNas trevas incendiado.Na bruma fastidienta…Como á cova um caixão.Porque antes não rebentaRubro, numa explosão?Que apego inda o sustem?Atono, miserando.Que o esmagasse o tremDe um comboio arquejando.O inane, vil despojo.Ó alma egoísta e fraca…Trouxesse-o o mar de rojo.Levasse-o na ressaca.

Violoncelo … Camilo Pessanha

  Violoncelo …  (A Carlos Amaro)Chorai, arcadasDo violoncelo,Convulsionadas.Pontes aladasDe pesadelo…De que esvoaçam,Brancos, os arcos.Por baixo passam,Se despedaçam,No rio os barcos.Fundas, soluçamCaudais de choro.Que ruínas, ouçam…Se se debruçam,Que sorvedouro!Lívidos astros,Soidões lacustres…Lemes e mastros…E os alabastrosDos balaústres!Urnas quebradas.Blocos de gelo!Chorai, arcadasDo violoncelo,Despedaçadas…

Ó Madalena, ó cabelos de rastos … Camilo Pessanha

Ó Madalena, ó cabelos de rastos …  …e lhe regou de lágrimas os pés,e os enxugava com os cabelos da sua cabeça.Evangelho de S. Lucas.Ó Madalena, ó cabelos de rastos,Lírio poluído, branca flor inútil,Meu coração, velha moeda fútil,E sem relevo, os caracteres gastos,De resignar-se torpemente dúctil,Desespero, nudez de seios castos,Quem também fosse, ó cabelos de … Ler mais

Caminho II … Camilo Pessanha

  Caminho II …  Encontraste-me um dia no caminhoEm procura de quê, nem eu o sei.— Bom dia, companheiro — te saudei,Que a jornada é maior indo sozinho.É longe, é muito longe, há muito espinho!Paraste a repousar, eu descansei…Na venda em que poisaste, onde poisei,Bebemos cada um do mesmo vinho.É no monte escabroso, solitário.Corta os … Ler mais

Passou o outono … Camilo Pessanha

  Passou o outono …  II(A Abel Aníbal de Azevedo)Passou o outono já, já torna o frio…– Outono de seu riso magoado.Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado…– O sol, e as águas límpidas do rio.Águas claras do rio! Águas do rio,Fugindo sob o meu olhar cansado,Para onde me levais meu vão cuidado?Aonde vais, meu coração … Ler mais

Paisagens de Inverno … Camilo Pessanha

  Paisagens de Inverno …  I(A Alberto Osório de Castro)Ó meu coração, torna para traz.Onde vais a correr desatinado?Meus olhos incendidos que o pecadoQueimou! Volvei, longas noites de paz.Vergam da neve os olmos dos caminhos.A cinza arrefeceu sobre o brasido.Noites da serra, o casebre transido…Cismai, meus olhos, como uns velhinhos.Extintas primaveras, evocai-as.Já vai florir o … Ler mais

Caminho I … Camilo Pessanha

  Caminho I … Tenho sonhos cruéis; nalma doenteSinto um vago receio prematuro.Vou a medo na aresta do futuro,Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vão procuroDo peito afugentar bem rudemente,Devendo, ao desmaiar sobre o poente,Cobrir-me o coração dum véu escuro!…Porque a dor, esta falta dharmonia,Toda a luz desgrenhada que alumiaAs almas doidamente, … Ler mais

Viola Chinesa … Camilo Pessanha

  Viola Chinesa … (A Wenceslau de Moraes)Ao longo da viola morosaVai adormecendo a parlenda,Sem que, amadornado, eu atendaA lengalenga fastidiosa.Sem que o meu coração se prenda,Enquanto, nasal, minuciosa,Ao longo da viola morosa,Vai adormecendo a parlenda.Mas que cicatriz melindrosaHá nele, que essa viola ofendaE faz que as asitas distendaNuma agitação dolorosa?Ao longo da viola, morosa…

Vida … Camilo Pessanha

  Vida …  Choveu! E logo da terra humosaIrrompe o campo das liliáceas.Foi bem fecunda, a estação pluviosa!Que vigor no campo das liliáceas!Calquem. Recal-quem, não o afogam.Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.Não as extinguem. Porque as degradam?Para que as calcam? Não as afogam.Olhem o fogo que anda na serra.É a queimada… Que lumaréu!Podem calcá-lo, deitar-lhe … Ler mais

Estátua … Camilo Pessanha

  Estátua …  Cansei-me de tentar o teu segredo:No teu olhar sem cor, — frio escalpelo,O meu olhar quebrei, a debatê-lo,Como a onda na crista dum rochedo.Segredo dessa alma e meu degredoE minha obsessão! Para bebê-loFui teu lábio oscular, num pesadelo,Por noites de pavor, cheio de medo.E o meu ósculo ardente, alucinado,Esfriou sobre o mármore … Ler mais

Ao Longe os Barcos de Flores … Camilo Pessanha

  Ao Longe os Barcos de Flores …  (A Ovídio de Alpoim)Só, incessante, um som de flauta chora,Viúva, grácil, na escuridão tranqüila,– Perdida voz que de entre as mais se exila,– Festões de som dissimulando a horaNa orgia, ao longe, que em clarões cintilaE os lábios, branca, do carmim desflora…Só, incessante, um som de flauta … Ler mais

Crepuscular … Camilo Pessanha

  Crepuscular … Há no ambiente um murmúrio de queixume,De desejos de amor, dais comprimidos…Uma ternura esparsa de balidos,Sente-se esmorecer como um perfume.As madressilvas murcham nos silvadosE o aroma que exalam pelo espaço,Tem delíquios de gozo e de cansaço,Nervosos, femininos, delicados.Sentem-se espasmos, agonias dave,Inapreensíveis, mínimas, serenas…— Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,O meu … Ler mais

Floriram por engano as rosas bravas … Camilo Pessanha

  Floriram por engano as rosas bravas …  Floriram por engano as rosas bravasNo Inverno: veio o vento desfolhá-las…Em que cismas, meu bem? Porque me calasAs vozes com que há pouco me enganavas?Castelos doidos! Tão cedo caístes!…Onde vamos, alheio o pensamento,De mãos dadas? Teus olhos, que num momentoPerscrutaram nos meus, como vão tristes!E sobre nós … Ler mais

Na cadeia … Camilo Pessanha

  Na cadeia …  na cadeia os bandidos presos!o seu ar de contemplativos!que é das feras de olhos acesos?!pobres dos seus olhos cativospasseiam mudos entre as grades,parecem peixes num aquário.– campo florido das saudades,porque rebentas tumultuário?serenos… serenos… serenos…trouxe-os algemados a escolta.– estranha taça de venenosmeu coração sempre em revolta.coração, quietinho… quietinho…porque te insurges e blasfemas?pschiu… … Ler mais