O Sentimento dum Ocidental III – Ao gás … Cesário Verde

  O Sentimento dum Ocidental III – Ao gás …  E saio. A noite pesa, esmaga. NosPasseios de lajedo arrastam-se as impuras.Ó moles hospitais! Sai das embocadurasUm sopro que arripia os ombros quase nus.Cercam-me as lojas, tépidas. Eu pensoVer círios laterais, ver filas de capelas,Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,Em uma catedral de um … Ler mais

Lúbrica … Cesário Verde

  Lúbrica …  Mandaste-me dizer,No teu bilhete ardente,Que hás-de por mim morrer,Morrer muito contente.Lançaste no papelAs mais lascivas frases;A carta era um painelDe cenas de rapazes!Ó cálida mulher,Teus dedos delicadosTraçaram do prazerOs quadros depravados!Contudo, um teu olharÉ muito mais fogoso,Que a febre epistolarDo teu bilhete ansioso:Do teu rostinho ovalOs olhos tão nefandosTraduzem menos malOs vícios … Ler mais

Esplêndida … Cesário Verde

  Esplêndida …  Ei-la! Como vai bela! Os esplendoresDo lúbrico Versailles do Rei-SolAumenta-os com retoques sedutores,É como o refulgir dum arrebolEm sedas multicolores.Deita-se com langor no azul celesteDo seu “landau” forrado de cetim;E esses negros corcéis, que a espuma veste,Sobem a trote a rua do Alecrim,Velozes como a peste.É fidalga e soberba. As incensadasDubarry, Montespan … Ler mais

Cabelos … Cesário Verde

  Cabelos …  Ó vagas de cabelos esparsas longamente,Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,E tendes o cristal dum lago refulgenteE a rude escuridão dum largo e negro mar;Cabelos torrenciais daquela que me enleva,Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nusNo báratro febril da vossa grande treva,Que tem cintilações e meigos céus … Ler mais

O Sentimento dum Ocidental II – Noite Fechada … Cesário Verde

  O Sentimento dum Ocidental II – Noite Fechada …  Toca-se às grades, nas cadeias. SomQue mortifica e deixa umas loucuras mansas!O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,Bem raramente encerra uma mulher de <<dom>>!E eu desconfio, até, de um aneurismaTão mórbido me sinto, ao acender das luzes;À vista das prisões, da velha Sé, … Ler mais

Cinismos … Cesário Verde

  Cinismos …  Eu hei-de lhe falar lugubrementeDo meu amor enorme e massacrado,Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,Chamar-lhe minha cruz e meu calvário,E ser menos que um Judas empalhado.Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrárioE desvendar-lhe a vida, o mundo, o gozo,Como um velho filósofo lendário.Hei-de mostrar, tão … Ler mais

Contrariedades … Cesário Verde

  Contrariedades …  Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;Nem posso tolerar os livros mais bizarros.Incrível! Já fumei três maços de cigarrosConsecutivamente.Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:Tanta depravação nos usos, nos costumes!Amo, insensatamente, os ácidos, os gumesE os ângulos agudos.Sentei-me à secretária. Ali defronte moraUma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;Sofre de faltas de … Ler mais

Num Bairro Moderno … Cesário Verde

  Num Bairro Moderno …  Dez horas da manhã; os transparentesMatizam uma casa apalaçada;Pelos jardins estacam-se as nascentes,E fere a vista, com brancuras quentes,A larga rua macadamizada.Rez-de-chaussée repousam sossegados,Abriram-se, nalguns, as persianas,E dum ou doutro, em quartos estucados,Ou entre a rama dos papéis pintados,Reluzem, num almoço, as porcelanas.Como é saudável ter o seu aconchego,E a … Ler mais

Eu, que sou feio … Cesário Verde

  Eu, que sou feio …  Eu, que sou feio, sólido, leal,A ti, que és bela, frágil, assustada,Quero estimar-te, sempre, recatadaNuma existência honesta, de cristal.Sentado à mesa dum café devasso.Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.Nesta Babel tão velha e corruptora,Tive tenções de oferecer-te o braço.E, quando socorreste um miserável,Eu que bebia cálices de absinto,Mandei … Ler mais

O Sentimento dum Ocidental – Avé Maria … Cesário Verde

  O Sentimento dum Ocidental – Avé Maria …  Nas nossas ruas, ao anoitecer,Há tal soturnidade, há tal melancolia,Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresiaDespertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;E os edifícios, com as chaminés, e a turbaToldam-se duma cor monótona e londrina.Batem … Ler mais

Manias! … Cesário Verde

  Manias! …  O mundo é velha cena ensanguentada,Coberta de remendos, picaresca;A vida é chula farsa assobiada,Ou selvagem tragédia romanesca.Eu sei um bom rapaz, — hoje uma ossada, —Que amava certa dama pedantesca,Perversíssima, esquálida e chagada,Mas cheia de jactância quixotesca.Aos domingos a deia já rugosa,Concedia-lhe o braço, com preguiça,E o dengue, em atitude receosa,Na sujeição … Ler mais

Deslumbramentos … Cesário Verde

  Deslumbramentos …  Milady, é perigoso contemplá-laQuando passa aromática e normal,Com seu tipo tão nobre e tão de sala,Com seus gestos de neve e de metal.Sem que nisso a desgoste ou desenfade,Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas,Eu vejo-a, com real solenidade,Ir impondo toilettes complicadas!…Em si tudo me atrai como um tesoiro:O seu ar pensativo e senhoril,A … Ler mais

Eu e ela … Cesário Verde

  Eu e ela …  Cobertos de folhagem, na verdura,O teu braço ao redor do meu pescoço,O teu fato sem ter um só destroço,O meu braço apertando-te a cintura;Num mimoso jardim, ó pomba mansa,Sobre um banco de mármore assentados.Na sombra dos arbustos, que abraçados,Beijarão meigamente a tua trança.Nós havemos de estar ambos unidos,Sem gozos sensuais, … Ler mais

De tarde … Cesário Verde

  De tarde …  Naquele «pic-nic» de burguesas,Houve uma coisa simplesmente bela,E que, sem ter história nem grandezas,Em todo o caso dava uma aguarela.Foi quando tu, descendo do burrico,Foste colher, sem imposturas tolas,A um granzoal azul de grão-de-bicoUm ramalhete rubro de papoulas.Pouco depois, em cima duns penhascos,Nós acampámos, inda o sol se via;E houve talhadas … Ler mais

Eu que sou feio, sólido, leal … Cesário Leal

  Eu que sou feio, sólido, leal …  Eu que sou feio, sólido, leal,A ti, que és bela, frágil, assustada,Quero estimar-te, sempre, recatadaNuma existência honesta, de cristal.Sentado à mesa de um café devasso,Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,Nesta babel tão velha e corruptora,Tive tenções de oferecer-te o braço.E, quando socorreste um miserável,Eu, que bebia … Ler mais