Vozes do Mar … Florbela Espanca

  Vozes do Mar …  Quando o sol vai caindo sobre as águasNum nervoso delíquio d’oiro intenso,Donde vem essa voz cheia de mágoasCom que falas à terra, ó mar imenso?…Tu falas de festins, e cavalgadasDe cavaleiros errantes ao luar?Falas de caravelas encantadasQue dormem em teu seio a soluçar?Tens cantos d’epopeias? Tens anseiosD’amarguras? Tu tens também … Ler mais

Amor Que Morre … Florbela Espanca

  Amor Que Morre …  O nosso amor morreu… Quem o diria!Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,Ceguinha de te ver, sem ver a contaDo tempo que passava, que fugia!Bem estava a sentir que ele morria…E outro clarão, ao longe, já desponta!Um engano que morre… e logo apontaA luz doutra miragem fugidia…Eu bem sei, meu … Ler mais

Tarde Demais… Florbela Espanca

  Tarde Demais…  Quando chegaste enfim, para te verAbriu-se a noite em mágico luar;E pra o som de teus passos conhecerPôs-se o silêncio, em volta, a escutar…Chegaste enfim! Milagre de endoidar!Viu-se nessa hora o que não pode ser:Em plena noite, a noite iluminar;E as pedras do caminho florescer!Beijando a areia d’oiro dos desertosProcurara-te em vão! … Ler mais

Sonhos … Florbela Espanca

  Sonhos …  Ter um sonho, um sonho lindo,Noite branda de luar,Que se sonhasse a sorrir…Que se sonhasse a chorar…Ter um sonho, que nos fosseA vida, a luz, o alento,Que a sonhar beijasse doceA nossa boca… um lamento…Ser pra nós o guia, o norte,Na vida o único trilho;E depois ver vir a morteDespedaçar esses laços!…… … Ler mais

A Uma Rapariga … Florbela Espanca

  A Uma Rapariga …  À NiceAbre os olhos e encara a vida! A sinaTem que cumprir-se! Alarga os horizontes!Por sobre lamaçais alteia pontesCom tuas mãos preciosas de menina.Nessa estrada da vida que fascinaCaminha sempre em frente, além dos montes!Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!Beija aqueles que a sorte te destina!Trata por tu … Ler mais

Tortura … Florbela Espanca

  Tortura …  Tirar dentro do peito a Emoção,A lúcida Verdade, o Sentimento!– E ser, depois de vir do coração,Um punhado de cinza esparso ao vento!…Sonhar um verso d’alto pensamento,E puro como um ritmo d’oração!– E sei; depois de vir do coração,O pó, o nada, o sonho dum momento!…São assim ocos, rudes, os meus versos:Rimas … Ler mais

O Meu Orgulho … Florbela Espanca

  O Meu Orgulho …  Lembro-me o que fui dantes. Quem me deraNão me lembrar! Em tardes dolorosasLembro-me que fui a PrimaveraQue em muros velhos faz nascer as rosas!As minhas mãos outrora carinhosasPairavam como pombas… Quem souberaPorque tudo passou e foi quimera,E porque os muros velhos não dão rosas!O que eu mais amo é que … Ler mais

Suavidade … Florbela Espanca

  Suavidade …  Poisa a tua cabeça doloridaTão cheia de quimeras, de idealSobre o regaço brando e maternalDa tua doce Irmã compadecida.Hás de contar-me nessa voz tão q’ridaTua dor infantil e irreal,E eu, pra te consolar, direi o malQue à minha alma profunda fez a Vida.E hás de adormecer nos meus joelhos…E os meus dedos … Ler mais

Poetas … Florbela Espanca

  Poetas …  Ai as almas dos poetasNão as entende ninguém;São almas de violetasQue são poetas também.Andam perdidas na vida,Como as estrelas no ar;Sentem o vento gemerOuvem as rosas chorar!Só quem embala no peitoDores amargas e secretasÉ que em noites de luarPode entender os poetas.E eu que arrasto amargurasQue nunca arrastou ninguémTenho alma pra sentirA … Ler mais

Inconstância … Florbela Espanca

  Inconstância …  Procurei o amor que me mentiu.Pedi à Vida mais do que ela dava.Eterna sonhadora edificavaMeu castelo de luz que me caiu!Tanto clarão nas trevas refulgiu,E tanto beijo a boca me queimava!E era o sol que os longes deslumbravaIgual a tanto sol que me fugiu!Passei a vida a amar e a esquecer…Um sol … Ler mais

Horas Rubras … Florbela Espanca

  Horas Rubras …  Horas profundas, lentas e caladasFeitas de beijos rubros e ardentes,De noites de volúpia, noites quentesOnde há risos de virgens desmaiadas…Oiço olaias em flor às gargalhadas…Tombam astros em fogo, astros dementes,E do luar os beijos languescentesSão pedaços de prata p’las estradas…Os meus lábios são brancos como lagos…Os meus braços são leves como … Ler mais

Princesa Desalento … Florbela Espanca

  Princesa Desalento …  Minh’alma é a Princesa Desalento,Como um Poeta lhe chamou, um dia.É revoltada, trágica, sombria,Como galopes infernais de vento!É frágil como o sonho dum momento,Soturna como preces de agonia,Vive do riso duma boca fria!Minh’alma é a Princesa Desalento…Altas horas da noite ela vagueia…E ao luar suavíssimo, que anseia,Põe-se a falar de tanta … Ler mais

Teus Olhos … Florbela Espanca

  Teus Olhos …  Olhos do meu Amor! Infantes loirosQue trazem os meus presos, endoidados!Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.Neles ficaram meus palácios moiros,Meus carros de combate, destroçados,Os meus diamantes, todos os meus oirosQue trouxe d’Além-Mundos ignorados!Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..Enigmáticas campas medievais…Jardins de Espanha… catedrais eternas…Berço vindo … Ler mais

Lágrimas Ocultas … Florbela Espanca

  Lágrimas Ocultas …  Se me ponho a cismar em outras erasEm que ri e cantei, em que era q’rida,Parece-me que foi noutras esferas,Parece-me que foi numa outra vida…E a minha triste boca doloridaQue dantes tinha o rir das Primaveras,Esbate as linhas graves e severasE cai num abandono de esquecida!E fico, pensativa, olhando o vago…Toma … Ler mais

Loucura … Florbela Espanca

  Loucura …  Tudo cai! Tudo tomba! DerrocadaPavorosa! Não sei onde era dantes.Meu solar, meus palácios meus mirantes!Não sei de nada, Deus, não sei de nada!…Passa em tropel febril a cavalgadaDas paixões e loucuras triunfantes!Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!Não tenho nada, Deus, não tenho nada!…Pesadelos de insônia, ébrios de anseio!Loucura a esboçar-se, a enegrecerCada … Ler mais

Vaidade … Florbela Espanca

  Vaidade …  Sonho que sou a Poetisa eleita,Aquela que diz tudo e tudo sabe,Que tem a inspiração pura e perfeita,Que reúne num verso a imensidade!Sonho que um verso meu tem claridadePara encher todo o mundo! E que deleitaMesmo aqueles que morrem de saudade!Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!Sonho que sou Alguém cá neste … Ler mais

O Meu Impossível…. Florbela Espanca

  O Meu Impossível….  Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,É um brasido enorme a crepitar!Ânsia de procurar sem encontrarA chama onde queimar uma incerteza!Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesaÉ nada ser perfeito! É deslumbrarA noite tormentosa até cegarE tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…Aos meus irmãos na dor já disse … Ler mais

Évora … Florbela Espanca

  Évora …  Évora! Ruas ermas sob os céusCor de violetas roxas… Ruas fradesPedindo em triste penitência a DeusQue nos perdoe as míseras vaidades!Tenho corrido em vão tantas cidades!E só aqui recordo os beijos teus,E só aqui eu sinto que são meusOs sonhos que sonhei noutras idades!Évora!… O teu olhar… o teu perfil…Tua boca sinuosa, … Ler mais

O Meu Soneto… Florbela Espanca

  O Meu Soneto…  Em atitudes e em ritmos fleumáticos,Erguendo as mãos em gestos recolhidos,Todos os brocados fúlgidos, hieráticos,Em ti andam bailando os meus sentidos…E os meus olhos serenos, enigmáticos,Meninos que na estrada andam perdidos,Dolorosos, tristíssimos, extáticos,São letras de poemas nunca lidos…As magnólias abertas dos meus dedosSão mistérios, são filtros, são enredosQue pecados d’amor trazem … Ler mais

Passam no teu olhar nobres cortejos … Florbela Espanca

  Passam no teu olhar nobres cortejos Passam no teu olhar nobres cortejos,Frotas, pendões ao vento sobranceiros,Lindos versos de antigos romanceiros,Céus do Oriente, em brasa, como beijos,Passam no teu olhar mundos inteiros,Todo um povo de heróis e marinheiros,Lanças nuas em rútilos lampejos;Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,Em centelhas de crença e de … Ler mais

Ódio? … Florbela Espanca

  Ódio? À Aurora AboimÓdio por Ele? Não… Se o amei tanto,Se tanto bem lhe quis no meu passado,Se o encontrei depois de o ter sonhado,Se à vida assim roubei todo o encanto,Que importa se mentiu? E se hoje o prantoTurva o meu triste olhar, marmorizado,Olhar de monja, trágico, geladoCom um soturno e enorme Campo … Ler mais

À Morte … Florbela Espanca

  À Morte Morte, minha Senhora Dona Morte,Tão bom que deve ser o teu abraço!Lânguido e doce como um doce laçoE como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforteTua mão que nos guia passo a passo,Em ti, dentro de ti, no teu regaçoNão há triste destino nem má sorte.Dona … Ler mais

Saudades … Florbela Espanca

  Saudades Saudades! Sim… talvez… e por que não?…Se o nosso sonho foi tão alto e forteQue bem pensara vê-lo até à morteDeslumbrar-me de luz o coração!Esquecer! Para quê?… Ah, como é vão!Que tudo isso, Amor, nos não importe.Se ele deixou beleza que conforteDeve-nos ser sagrado como o pão.Quantas vezes, Amor, já te esqueci,Para mais … Ler mais

A Vida … Florbela Espanca

  A Vida É vão o amor, o ódio, ou o desdém;Inútil o desejo e o sentimento…Lançar um grande amor aos pés d’alguémO mesmo é que lançar flores ao vento!Todos somos no mundo “Pedro Sem”,Uma alegria é feita dum tormento,Um riso é sempre o eco dum lamento,Sabe-se lá um beijo donde vem!A mais nobre ilusão … Ler mais

Da Minha Janela … Florbela Espanca

  Da Minha Janela Mar alto! Ondas quebradas e vencidasNum soluçar aflito, murmurado..Voo de gaivotas, leve, imaculado,Como neves nos píncaros nascidas!Sol! Ave a tombar, asas já feridas,Batendo ainda num arfar pausado…Ó meu doce poente torturadoRezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!Meu verso de Samain cheio de graça,Inda não és clarão já és luarComo um branco lilás … Ler mais

Eu… Florbela Espanca

  Eu… Eu sou a que no mundo anda perdida,Eu sou a que na vida não tem norte,Sou a irmã do Sonho, e desta sorteSou a crucificada… a dolorida…Sombra de névoa tênue e esvaecida,E que o destino amargo, triste e forte,Impele brutalmente para a morte!Alma de luto sempre incompreendida!…Sou aquela que passa e ninguém vê…Sou … Ler mais

Noite de Saudade … Florbela Espanca

  Noite de Saudade A Noite vem poisando devagarSobre a terra que inunda de amargura…E nem sequer a bênção do luarA quis tornar divinamente pura…Ninguém vem atrás dela a acompanharA sua dor que é cheia de tortura…E eu oiço a Noite imensa soluçar!E eu oiço soluçar a Noite escura!Por que és assim tão ’scura, assim … Ler mais

Amar! – Florbela Espanca

  Amar! Eu quero amar, amar perdidamente!Amar só por amar: Aqui… além…Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…Amar! Amar! E não amar ninguém!Recordar? Esquecer? Indiferente!…Prender ou desprender? É mal? É bem?Quem disser que se pode amar alguémDurante a vida inteira é porque mente!Há uma Primavera em cada vida:É preciso cantá-la assim florida,Pois … Ler mais

Fumo – Florbela Espanca

  Fumo Longe de ti são ermos os caminhos,Longe de ti não há luar nem rosas;Longe de ti há noites silenciosas,Há dias sem calor, beirais sem ninhos!Meus olhos são dois velhos pobrezinhosPerdidos pelas noites invernosas…Abertos, sonham mãos cariciosas,Tuas mãos doces plenas de carinhos!Os dias são Outonos: choram… choram…Há crisântemos roxos que descoram…Há murmúrios dolentes de … Ler mais

Não Ser – Florbela Espanca

  Não Ser Quem me dera voltar à inocênciaDas coisas brutas, sãs, inanimadas,Despir o vão orgulho, a incoerência:– Mantos rotos de estátuas mutiladas!Ah! arrancar às carnes laceradasSeu mísero segredo de consciência!Ah! poder ser apenas florescênciaDe astros em puras noites deslumbradas!Ser nostálgico choupo ao entardecer,De ramos graves, plácidos, absortosNa mágica tarefa de viver!Ser haste, seiva, ramaria … Ler mais

Languidez – Florbela Espanca

  Languidez Tardes da minha terra, doce encanto,Tardes duma pureza d’açucenas,Tardes de sonho, as tardes de novenas,Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!…Horas benditas, leves como penas,Horas de fumo e cinza, horas serenas,Minhas horas de dor em que eu sou santo!Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,Que poisam sobre duas … Ler mais

Realidade – Florbela Espanca

  Realidade Em ti o meu olhar fez-se alvorada,E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,E a minha rubra boca apaixonadaTeve a frescura pálida do linho.Embriagou-me o teu beijo como um vinhoFulvo de Espanha, em taça cinzelada,E a minha cabeleira desatadaPôs a teus pés a sombra dum caminho.Minhas pálpebras são cor de verbena,Eu tenho os … Ler mais

Fanatismo de Florbela Espanca

  Fanatismo Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.Meus olhos andam cegos de te ver.Não és sequer razão do meu viverPois que tu és já toda a minha vida!Não vejo nada assim enlouquecida…Passo no mundo, meu Amor, a lerNo mist’rioso livro do teu serA mesma história tantas vezes lida!…“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”Quando me dizem … Ler mais

Os Versos Que Te Fiz – Florbela Espanca

  Os Versos Que Te Fiz Deixa dizer-te os lindos versos rarosQue a minha boca tem pra te dizer!São talhados em mármore de ParosCinzelados por mim pra te oferecer.Têm dolências de veludos caros,São como sedas brancas a arder…Deixa dizer-te os lindos versos rarosQue foram feitos pra te endoidecer!Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…Que … Ler mais