Congresso discute os desafios da garantia dos direitos fundamentais

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Foto: STJ



​”Seminários que fortaleçam os princípios agasalhados nessa convenção são necessários, porque todo dia encontramos dirigentes tentados a sacrificar os princípios consagrados nessa tão importante convenção assinada há 51 anos.” A afirmação foi feita pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, ao abrir o Congresso sobre a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que começou nesta quinta-feira (12), no auditório do tribunal.


Em seu discurso, o ministro lembrou que muitos sacrifícios foram feitos para que as nações americanas atingissem o atual grau de maturidade na concretização dos direitos humanos. “É motivo de muita alegria verificar que a quase totalidade dos 24 países que ratificaram a convenção se encontram representados hoje neste congresso”, comemorou.


O objetivo do evento é discutir princípios e valores consagrados na CADH – conhecida também como Pacto de San José da Costa Rica –, a qual busca um regime de liberdade pessoal e justiça social nos países americanos, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais. Promovido pelo STJ, o congresso conta com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da Universidade de Brasília (UnB) e da Corte Europeia de Direitos Humanos.


Além do ministro Noronha, participaram do dispositivo de abertura o presidente da Corte Suprema de Honduras, Rolando Edgardo Argueta Pérez; o presidente do Segundo Tribunal Superior de Justiça do Panamá, José Justiniane; o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, Francisco Rezek; o diretor da Faculdade de Direito da UnB, Mamede Said Maia Filho, e o juiz auxiliar da presidência do STJ Márcio Flávio Mafra Leal.


Pretext​​o


No primeiro painel da manhã, Francisco Rezek apresentou palestra sobre “Universalidade dos direitos humanos e regionalidade dos sistemas de proteção”. Ele criticou o ativismo que seleciona temas em razão de posições ideológicas ou de outra ordem, ignorando outros, sem levar em conta que os direitos humanos se assentam sobre o primado do direito e todos os elementos da ordem jurídica, na uniformidade de sua aplicação.


O jurista também elencou exemplos históricos de utilização dos direitos humanos como pretexto para finalidades diversas, como na Guerra do Iraque. Na ocasião, em reação ao atentado de 11 de setembro de 2001, o presidente americano George W. Bush apontou a existência de armas de destruição em massa naquele país. Ao constatar que o argumento se revelava inconsistente, o governo apelou para um “genérico” desrespeito aos direitos humanos praticado pelo ditador Saddam Hussein. Ao final, a guerra resultou em 400 mil mortos, entre militares e civis.


“A minha maneira de descrever a universalidade dos direitos humanos, no meio universitário, é dizendo que ela significa que nenhum dos 193 estados soberanos atualmente tem o direito de invocar a sua soberania para, com isso, desafiar alguns parâmetros de respeito a direitos humanos que foram consagrados no plano global pela Declaração Universal de 1948”, concluiu Rezek.


Obra come​​morativa


Além de palestras, o evento – que se estende até esta sexta-feira (13) – terá a apresentação de artigos inéditos selecionados pelo conselho científico do congresso. Os textos também serão reunidos em obra coordenada pelo ministro João Otávio de Noronha e pelo juiz Paulo Pinto de Albuquerque, da Corte Europeia de Direitos Humanos, a qual será publicada em 25 de setembro de 2020, dia do 28º aniversário da entrada em vigor da CADH no Brasil.


No primeiro painel, foram apresentados os artigos “Dignidade da pessoa humana – A solidez teórica conceitual indeterminada e a complexidade da efetivação prática individualizada”, do professor Maurício Zanotelli, doutor em direito público e coordenador do curso de direito da Faculdade do Norte de Mato Grosso; e “Os direitos humanos e o valor-princípio fraternidade – Uma nova perspectiva relacional e jurídica”, da professora Olga Oliveira, doutora em direito pela Universidade Federal de Pelotas.


Direitos fundame​​​ntais


A CADH foi editada em novembro de 1969, durante a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, na Costa Rica. O Brasil – um dos países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) – ratificou o tratado internacional em 1992.


Composto de 82 artigos, o documento estabelece os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal, à educação, entre outros. A convenção proíbe a escravidão e a servidão humana, versa sobre as garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção à família.


A CADH atribuiu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à Corte Interamericana de Direitos Humanos a competência para analisar o cumprimento dos compromissos assumidos pelos estados-membros. O Brasil reconhece a jurisdição da Corte Interamericana desde 1998.


Contexto re​​​gional


O segundo painel, que teve como moderador o ministro do STJ Raul Araújo, tratou do tema “O contexto regional da Convenção Americana de Direitos Humanos”. Ao abrir os debates, o magistrado lembrou as diferenças existentes entre os contextos americano e europeu, e como elas influenciam os direitos humanos.


“Enquanto na Europa podemos identificar economias mais fortes dando suporte a realidades sociais mais homogêneas, no que diz respeito à América – compreendendo a América do Norte, a América Central e a América do Sul –, temos economias bem distintas, das mais fortes às mais incipientes, e isso naturalmente também traduz realidades sociais bem diferentes, com reflexos importantes nas concepções acerca de direitos humanos”, declarou o ministro.


Convergê​​ncia


O professor português Paulo Pinto de Albuquerque, juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos, falou sobre a recepção da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no sistema interamericano de direitos humanos.


Ele fez uma análise dos casos mais representativos da Corte Americana que citam a Corte Europeia. “Apesar de a Corte Americana ter citado a Corte Europeia em mais da metade dos casos e só ter sido citada em 1% dos casos pela Corte Europeia, há convergência entre o conteúdo substancial dos direitos que são consagrados”, afirmou Paulo Pinto.


O professor ressaltou que as divergências também existem, porém ocorrem quanto à fundamentação dos direitos humanos e quanto ao método de interpretação que decorre dessa fundamentação.


“A jurisprudência europeia compreende que a fundamentação dos direitos humanos deve ser buscada nas tradições dos países signatários, em um consenso europeu. Já a interamericana tem uma visão universalista dos direitos humanos e, por isso, busca elementos extrassistêmicos, entre os quais a jurisprudência europeia, para fundamentar suas decisões.”


Artigo​​s


Foram apresentados no painel os artigos “Relações entre a Corte Interamericana dos Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988: Responsabilidade internacional do Estado brasileiro e controle de convencionalidade”, do professor William Paiva Marques Júnior, da Universidade Federal do Ceará; “O uso dos precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Supremo Tribunal Federal na definição da competência da Justiça Militar”, de Manuelita Hermes, assessora jurídica do STF e mestre em sistemas jurídicos contemporâneos; e “A loucura e o crime: crítica aos manicômios judiciários em face da Convenção Americana de Direitos Humanos e a efetividade do Programa de Atenção ao Louco Infrator”, da pesquisadora Lina Rezende, da Universidade de Rio Verde.


Por fim, a juíza federal substituta no Tribunal Regional Federal da 4ª Região Lillian Pfleger falou sobre as mudanças climáticas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e sobre as demandas judiciais relacionadas ao tema. Ela abordou algumas decisões em que o STJ teve atuação expressiva na defesa dos direitos relacionados ao meio ambiente: “Podemos citar o caso da palha da cana de açúcar, os casos de construções em praias – em que não foi aceita a teoria do fato consumado – e o caso das construções em manguezais”.


Fonte: STJ – 12/03/2020

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