Responsabilidade baseada em fundamentos diversos não conduz à múltiplaindenização do mesmo dano


Foto: STJ



​O fato de haver múltiplos responsáveis por um dano, ainda que sejam diferentes os fundamentos jurídicos que justificam a responsabilidade de cada um, não significa que haverá multiplicidade de indenizações – uma a cargo de cada causador do dano.


Com esse argumento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou parcialmente decisão da Justiça de Santa Catarina que condenou a proprietária e o motorista de um caminhão a indenizar os danos morais, estéticos e materiais sofridos pela vítima de um acidente de trânsito, a qual havia obtido as mesmas indenizações em ação trabalhista contra sua empregadora.


O colegiado afastou a duplicidade dos danos morais e estéticos, mas reconheceu a responsabilidade do motorista e da dona do caminhão pelo pagamento da pensão à vítima, em solidariedade com a empregadora já condenada na Justiça do Trabalho.


Seguindo o voto da ministra Isabel Gallotti, a turma julgadora entendeu que, se prevalecesse a conclusão das instâncias ordinárias, a vítima receberia duas vezes as indenizações de danos morais e estéticos decorrentes da mesma lesão e, a título de danos materiais, duas vezes a pensão destinada a compensar sua incapacidade para o trabalho. Por outro lado, os condenados na Justiça comum estariam sujeitos a pagar duas vezes pelo mesmo dano, em razão da ação de regresso a que tem direito a empregadora da vítima.


Amputa​ção


O motorista do caminhão atingiu a traseira de um caminhão de lixo, e o acidente causou a amputação da perna de um gari. A Justiça do Trabalho reconheceu falhas de segurança e condenou a empregadora a pagar danos morais e estéticos, além de pensão por danos materiais.


Como o motorista e a dona do caminhão foram excluídos do processo trabalhista – por não estarem envolvidos na relação de emprego – e a condenação recaiu apenas sobre a empresa de coleta de lixo, esta entrou com ação de regresso contra ambos.


A vítima, por sua vez, considerando que o motorista e a dona do caminhão também foram responsáveis pelo acidente, ajuizou na Justiça comum outro pedido de indenização, obtendo sucesso em primeira e segunda instâncias. Para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), o trânsito em julgado do processo trabalhista não impede o ajuizamento, pela mesma pessoa, da ação na Justiça comum, pois, embora busque indenização pelo mesmo fato, os réus são distintos.


Além disso, o TJSC avaliou que os fundamentos nos dois pedidos de indenização não se confundem: em um caso, é o acidente de trabalho; no outro, a responsabilidade civil por acidente de trânsito.


Extensão do d​ano


Para a ministra Isabel Gallotti – autora do voto vencedor –, se a vítima já conseguiu da empregadora a reparação plena dos danos sofridos no acidente, não tem o direito de obter outra indenização exatamente pelo mesmo fato. Mencionando o artigo 944 do Código Civil, ela afirmou que, “se a indenização mede-se pela extensão do dano, naturalmente não pode ser multiplicada, conforme seja o número de partícipes do ato ilícito que o causou”.


A magistrada reconheceu que – como entendido pelo TJSC – não há identidade de ações entre os processos trabalhista e civil, pois não são idênticos nem as partes nem os fundamentos jurídicos, embora o fato em discussão seja o mesmo, assim como o dano a ser reparado. Porém, segundo ela, “do fato de não haver identidade de ações não se pode inferir que o autor possa ser duplamente indenizado pelo mesmo dano, ou que os réus possam ser submetidos a duplo julgamento e eventualmente terem de pagar duas indenizações pelo mesmo fato, por um mesmo dano causado a uma só pessoa”.


Solidari​​edade


Como as indenizações de danos morais, estéticos e materiais já foram asseguradas e pagas por força do processo trabalhista, Isabel Gallotti afirmou que, à primeira vista, seria o caso de julgar improcedentes os pedidos da vítima na Justiça comum. No entanto, ela observou que a pensão relativa aos danos materiais se prolongará no tempo, e por isso permanece o interesse da vítima em estender essa obrigação para o motorista e a proprietária do caminhão, também responsáveis pelo acidente.


“Isso não justifica o recebimento de duas pensões mensais, mas devem os réus ser julgados responsáveis solidários em face do autor pelo pagamento da pensão. Isso porque tem o autor o direito de exigir esse pagamento mensal em face de cada um ou de todos os obrigados”, disse a ministra, reportando-se ao artigo 942 do Código Civil.


Isabel Gallotti salientou que, se a empresa pagar regularmente a pensão mensal, a vítima não terá nada mais a exigir, uma vez que “a quitação dada a um devedor solidário a todos aproveita”. Na hipótese de o pagamento falhar, segundo ela, o motorista e a proprietária do caminhão poderão ser cobrados.


Fonte: STJ – 25/06/2020

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