O porte ou a posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, não tem natureza de crime hediondo.
A decisão foi tomada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual, superando o entendimento que prevalecia na corte, concedeu dois habeas corpus em favor de réus condenados por porte ou posse de arma de uso permitido com numeração suprimida, para afastar o caráter hediondo do crime.
Em um dos casos, o juízo da execução penal negou o pedido de exclusão da hediondez, entendendo que a Lei 13.497/2017, ao considerar hediondo o crime de posse ou porte de arma de uso restrito (artigo 16 da Lei 10.826/2003), teria incluído na mesma categoria a posse ou o porte de arma de fogo com identificação adulterada ou suprimida (antigo parágrafo único do mesmo dispositivo). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também entendeu que a inclusão do artigo 16 no rol dos crimes hediondos implicava a inclusão da conduta prevista no parágrafo.
Redução de danos
No pedido de habeas corpus, a Defensoria Pública sustentou que a previsão da Lei dos Crimes Hediondos não inclui o parágrafo do artigo 16, e que a finalidade da lei é coibir com mais rigor quem utiliza armamentos pesados, como fuzis e metralhadoras. “Fere o princípio da proporcionalidade considerar o porte ilegal de um revólver 38 com numeração raspada um delito hediondo”, alegou a Defensoria.
De acordo com a relatora do habeas corpus, ministra Laurita Vaz, o STJ vinha afirmando até agora que os legisladores teriam atribuído ao porte e à posse de arma de uso permitido com numeração suprimida uma reprovação equivalente à da conduta do artigo 16, caput, da Lei 10.826/2003, que diz respeito a armas de uso exclusivo das polícias e das Forças Armadas. Esse entendimento, segundo ela, deve ser superado.
“Corrobora a necessidade de superação do posicionamento acima apontado a constatação de que, diante de texto legal obscuro – como é o parágrafo único do artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos na parte em que dispõe sobre a hediondez do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo – e de tema com repercussões relevantes na execução penal, cabe ao julgador adotar uma postura redutora de danos, em consonância com o princípio da humanidade”, declarou a ministra.
Debate legislativo
Para Laurita Vaz, o Congresso Nacional, ao elaborar a Lei 13.497/2017 – que alterou a Lei de Crimes Hediondos –, quis dar tratamento mais grave apenas ao crime de posse ou porte de arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, não abrangendo o crime relativo a armamento de uso permitido com numeração raspada.
Segundo a relatora, durante os debates no Poder Legislativo, ficou claro que a proposta dos parlamentares era que somente os crimes que envolvessem armas de fogo de uso restrito fossem incluídos no rol dos hediondos; posteriormente, ao dar nova redação aos dispositivos legais em questão, a Lei 13.964/2019 reforçou o entendimento de que apenas foi equiparado a hediondo o crime de posse ou porte de arma de uso proibido, previsto no artigo 16 da Lei 10.826/2003.
A ministra lembrou ainda que, no relatório apresentado pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisou as propostas do Pacote Anticrime, foi afirmada a necessidade de se coibir mais severamente a posse e o porte de arma de uso restrito ou proibido, pois tal situação amplia consideravelmente o mercado do tráfico de armas.
Laurita Vaz disse que, da mesma maneira, ao alterar a redação do artigo 16 da Lei 10.826/2003, com a imposição de penas diferenciadas para a posse ou o porte de arma de fogo de uso restrito, a Lei 13.964/2019 atribuiu reprovação criminal diversa, a depender da classificação do armamento.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 525249HC 575933
Fonte: STJ