Por falta de valor jurídico da prova, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou uma condenação baseada apenas na identificação da voz do réu em gravação exibida na delegacia de polícia, sem observância das formalidades do artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) e sem nenhum tipo de perícia técnica.
O acusado foi condenado a 12 anos de reclusão por extorsão mediante sequestro. Após mais de um ano dos fatos, as vozes dos investigados, registradas em fita cassete, foram apresentadas ao filho da vítima, que as identificou como sendo dos autores do crime. A condenação também foi fundamentada no fato de o réu ter guardado em sua casa uma sacola de roupas compradas com o cartão de crédito da vítima.
“A gravação apresentada para a testemunha não foi preservada para viabilizar o contraditório no âmbito processual. Desponta a ausência de critérios mínimos para garantir o nível de confiabilidade racional do reconhecimento fonográfico, imprescindível para a corroboração da hipótese acusatória. Não se pode, portanto, reconhecer seu valor como prova da autoria delitiva”, afirmou o relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Contraditório
Para o magistrado, as instâncias ordinárias não observaram o disposto no artigo 155 do CPP, segundo o qual “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
Segundo Schietti, o reconhecimento colhido durante o inquérito não foi repetido em juízo, quando era possível fazê-lo. Além disso, a condenação não está corroborada por outras provas, pois a apreensão, na casa do acusado, de roupas adquiridas com o cartão da vítima – as quais, segundo a defesa, teriam sido compradas pelos corréus, que eram seus amigos – não indica, necessariamente, a sua participação no crime.
“A gravação das vozes não foi preservada (quebra de cadeia de custódia), as falas não foram colocadas ao lado de outras, que com elas tivessem qualquer semelhança, e não foi feito nenhum tipo de comparação, por perícia técnica, com as escutas dos sequestradores, que o delegado afirmou ter feito”, declarou o relator.
Em sua avaliação, falta valor probatório ao elemento informativo, pois, em conformidade com o artigo 155 do CPP, era necessária a submissão da gravação ao contraditório ou sua confirmação por outra prova testemunhal ou técnica para que pudesse embasar a condenação.
Erro judiciário
Rogerio Schietti mencionou precedente de sua relatoria na Sexta Turma (HC 598.886), no qual afirmou que é irregular o reconhecimento de pessoas feito sem qualquer controle em delegacia de polícia, sem a presença de advogado ou o respeito a formalidades que tornem possível o chamado contraditório diferido ou postergado.
“No julgado em apreço, destaquei a alta suscetibilidade, as falhas e as distorções desse dado informativo, por possuir, quase sempre, alto grau de subjetividade e de falibilidade, com o registro, na literatura jurídica, de que é uma das principais causas de erro judiciário”, ressaltou.
O relator adotou o mesmo entendimento no caso em análise, pois entendeu que não tem valor jurídico – para lastrear a condenação – o reconhecimento fonográfico feito mais de um ano depois do crime, sem a observância, por analogia, das formalidades do artigo 226 do CPP e sem a realização de perícia, quando havia dúvida plausível que justificaria a medida.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 461709
Fonte: STJ
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