Operadoras sugerem aplicação de tese firmada pelo STJ em 2016 para permitir reajuste por faixa etária nos planos coletivos


​​De acordo com as entidades representativas das operadoras de planos de saúde que falaram nos dois últimos painéis da audiência pública promovida nesta segunda-feira (10) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para discutir o reajuste de preços por faixa etária, a solução no caso dos planos coletivos pode ser a aplicação do entendimento firmado pelo tribunal em 2016, quando julgou o Tema 952 dos recursos repetitivos.

Segundo esses participantes, o STJ estabeleceu condições e permitiu o reajuste por faixa etária no caso dos planos individuais ou familiares. O advogado Márcio Vieira Souto falou durante o oitavo e último painel da audiência pública, representando a OAB-RJ, e também defendeu a aplicação desse entendimento para os planos de saúde coletivos.

Ele destacou que não há erro na regulação e, como apontado por outros painelistas, uma regra diferenciada – por exemplo, com preços fixos independentemente da idade – poderia espantar os jovens dos planos de saúde, já que eles não teriam condições de suportar os preços mais altos.

Márcio Vieira disse que a questão colocada no Tema 1.016 a respeito do ônus da prova é “descabida” e embasada “apenas em argumentos emocionais”. O oitavo painel foi moderado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator dos recursos que serão julgados a partir dos subsídios apresentados na audiência pública.

No encerramento, o ministro destacou o nível técnico dos debates e as peculiaridades da questão, e agradeceu o empenho de todos os que contribuíram para a organização do evento.

Custo​​s

No quinto painel da audiência pública, moderado pela ministra Nancy Andrighi, falaram o economista José Cechin, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, e o professor Mário César Scheffer, do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Universidade de São Paulo.

Cechin abordou a formação dos preços dos planos de saúde e as alternativas de precificação adotadas em outros países para evitar a alta dos preços para os usuários mais idosos – e que fracassaram.

Segundo o economista, o legislador brasileiro optou pelo mutualismo e pela solidariedade na hora de precificar os planos de saúde. “Os jovens pagam mais do que o custo para que os idosos possam pagar menos”, explicou.

Para José Cechin, o Brasil tem um problema de política pública a resolver, e não é possível afirmar que o reajuste dos preços dos planos para os idosos seja abusivo, pois as atualizações não cobrem nem os custos das operadoras, além de estarem de acordo com as normas da Agência Nacional de Saúde (ANS) e da legislação brasileira.

“O preço do plano de saúde é alto para os idosos? A resposta é sim, se comparado à renda deles. E isso é um problema social que nós temos. Mas claramente não, frente ao que eles custam. Eles pagam menos do que custam, pois a geração de menor idade tem pago um pouco mais para dar esse suporte. Não é caro frente ao custo, é caro frente à renda”, concluiu.

Judici​​alização

Para o professor Márcio Scheffer, a judicialização das questões referentes à saúde suplementar demonstra que existem lacunas e disfunções na regulação que precisam de ajustes por parte do poder público. “O debate no Judiciário pode ajudar a aperfeiçoar a legislação e corrigir falhas desse mercado”, afirmou.

Scheffer observou que a judicialização cresce mesmo com a diminuição de clientes dos planos de saúde – os quais, por outro lado, têm apresentado crescimento exponencial de receitas.

“A questão do reajuste do seguro-saúde de idosos é um drama na vida de indivíduos, famílias e empregadores que não conseguem, em função dos reajustes abusivos, continuar com esse benefício para os seus empregados. Há uma sobreposição de reajustes, que estão totalmente fora de controle e incidem de forma diferente em determinados subgrupos dessa população que tem plano de saúde”, destacou.

De acordo com o pesquisador, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não tem sido eficaz para coibir abusos contra os consumidores – principalmente os idosos –, o que tem gerado uma espécie de “expulsão pecuniária” de pessoas com mais idade dos planos de saúde, em um momento de retração do financiamento governamental para o Sistema Único de Saúde (SUS).

“O papel do Judiciário no momento atual é o de reforçar os valores constitucionais de defesa do consumidor e do idoso”, afirmou.

AN​​S

A ministra Isabel Gallotti moderou o sexto painel, que contou com a participação do representante da ANS, Rodolfo Nogueira da Cunha, e do advogado que representa a SulAmérica Saúde, José Carlos Van Cleef.

Rodolfo da Cunha apresentou aos ministros uma explicação teórica dos conceitos de mutualismo, pacto intergeracional e precificação, discorrendo sobre as características de cada conceito no setor de saúde suplementar.

O representante da ANS também falou sobre a validade da cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária. Segundo ele, o próprio legislador trouxe proteção para os idosos com mais de 60 anos que estejam nos planos de saúde há mais de dez anos.

Rodolfo Cunha acrescentou que a ANS apresentou alternativas para aqueles que não foram contemplados pela proteção oferecida em lei, trazendo variações de reajustes de acordo com cada faixa etária.

“O reajuste por faixa etária possui previsão legal e infralegal, e busca readequar o valor da mensalidade ao risco do beneficiário para garantir o pacto intergeracional e, consequentemente, a sustentabilidade dos produtos, a perenidade dos mercados e que o beneficiário não fique desassistido”, concluiu.

Base téc​nica

O advogado da SulAmérica Saúde, José Carlos Van Cleef, afirmou que algumas crenças devem ser afastadas quando se debate o tema do reajuste em função da faixa etária: de acordo com ele, para que ocorra o reajuste é preciso haver determinação técnica prévia.

Van Cleef explicou que, diferentemente do que ocorre em outras modalidades de reajuste, os percentuais de aumento dos planos de saúde em função da idade do segurado são atuarialmente determinados e justificados pelas operadoras de maneira prévia.

“A base técnica que demonstra a estrutura de continuidade contratual, a sobrevivência do fundo mutualístico e a segurança futura do consumidor é validada prévia e expressamente pela ANS, o que impede a operadora de distribuir percentuais aleatoriamente”, declarou.

O advogado disse ainda que o recurso repetitivo não seria o instrumento adequado para equalizar de forma diversa a regra constante no artigo 373do Código Civil.

“Qualquer equalização diversa da regra estática de distribuição do ônus da prova demanda investigação concreta de cada caso, seja através dos instrumentos de distribuição dinâmica de ônus de prova, seja através de instrumentos relacionados à inversão, à averiguação da hipossuficiência e da verossimilhança das alegações. Tudo isso deve ser verificado caso a caso, motivo pelo qual não há como se estabelecer uma inversão do ônus da prova em recurso repetitivo dissonante da sistemática concreta de caso a caso”, afirmou.

Aumento de​​ gastos

Um pouco antes, o sétimo painel foi moderado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze e contou com a participação do economista Sandro Leal Alves, da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde); do economista Marcos Novais, da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge); e da advogada Bruna Ariane Duque, da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas).

Sandro Leal destacou o aumento exponencial dos gastos conforme o avanço da idade do segurado. Para ele, o risco muito maior dessa categoria de usuários justifica a diferença no preço – calculada, segundo disse, de acordo com critérios técnicos.

Marcos Novais lembrou que o preço mais alto pago por idosos é uma realidade em diversos outros países, seja no Obamacare, nos Estados Unidos, ou nos 31 dos 33 países da União Europeia que possibilitam o reajuste por faixa etária.

Bruna Duque ressaltou que, atualmente, 27,7 milhões de beneficiários da Unidas estão na última faixa etária, demonstrando a expressiva participação desse grupo no sistema. Ela disse que o reajuste por faixa etária possibilita o equilíbrio dos planos e que a proibição dessa prática poderia “tornar a atividade inviável”.

Falhas regulat​​órias

No oitavo painel, antes da apresentação do representante da OAB-RJ, falaram os advogados da parte de um dos recursos cadastrados no Tema 1.016.

Rafael Robba afirmou que as falhas regulatórias por parte da ANS são inegáveis, e em muitas situações a agência é “incapaz de identificar aumentos abusivos”.

Marcos Patullo explicou que a Resolução Normativa 63/2003 da ANS – documento que permite o reajuste por faixa etária – não é clara e acaba permitindo reajustes abusivos para os segurados mais velhos. Ele disse que a norma previa um monitoramento constante do mercado, algo que, segundo o advogado, não aconteceu, causando prejuízo aos consumidores.

Fonte: STJ – 11/02/2020


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